Elsa Escreveu:Parece-me que se cada um apenas olhar para o seu umbigo não vamos longe. Claro que a situaçao pessoal de cada um é importante, mas se não tivermos uma visão do colectivo, relativizando cada caso, estaremos a prejudicar-nos. Mais grave é quando avaliamos os outros pela nossa medida.
Eu nao queria entrar nesta discussão, mas já que tanto gostam de assumir a parte pelo todo, posso contar o meu caso pessoal
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Não reparei bem nas tabelas e pensei que o valor de bolsa no estrangeiro era o mesmo que no país, o que seria mais ajustado às minhas necessidades. Agora vejam como é que eu poderei, com os 980 euros, fazer face às minhas despesas : pagar renda de casa, água, electricidade, telefone, internet, sustentar dois filhos, vesti-los, pagar as suas despesas escolares e de saúde, sustentar-me a mim e ainda arcar com todas as despesas de deslocações, alojamento, aquisição de bibliografia, e muitas outros encargos relacionados com a investigação?
Também suspeito que uma discussão sem empenho e conhecimento da situação real colectiva dos bolseiros, investigadores e da investigação realizada em Portugal não nos levará longe. E como cada um de nós tem uma situação específica ficaremos sempre de pé atrás quando alguém diz que não temos razão. É algo cultural e também humano.
A Elsa podia, provavelmente, ter mantido a bolsa, nem que seja para pagar as propinas e beneficiar dos subsídios de deslocação e do valor final para a entrega da tese. É o que acontece na minha universidade com os professores que ganham mais que a bolsa. Mas honestamente não sei qual a situação com os funcionários públicos e a questão da incompatibilidade com o vínculo laboral provavelmente que não lhe permitiu seguir por esta via.
É claro que é difícil fazer o doutoramento com 980 euros e uma família por sustentar. Mas os 980 euros têm um valor diferente em cada zona do país. Em Lisboa será difícil, mas em Aveiro por exemplo, já menos difícil. No meu caso tenho o meu marido que ganha um pouco melhor que eu e temos uma filha. Lá nos vamos safando e eu consigo fazer o doutoramento.
Por outro lado, compreendo também que 980 euros é muito dinheiro para muita gente. Nós falamos do nível das bolsas que temos e queremos mais. É o que eu fazia também até me foi dito que há muita gente que ganha 500 euros ou 700 euros por mês trabalhando nas empresas até às 7 ou 8 da noite e tendo na mesma dois filhos para sustentar. Fazendo as contas, com os membros do casal a ganharem em conjunto 1000 - 1400 euros por mês e com as despesas associadas, também não é fácil. Mas consegue-se dar à volta a situação. E muitas vezes nas famílias só há uma pessoa que trabalho. E então, como é que estas pessoas resolvem a situação?
Elsa Escreveu:
O que me parece é que o Governo entende as bolsas de doutoramento como um prolongamento do ensino na licenciatura, dando umas migalhas aos recém-licenciados de forma a encapotar o grave problema do desemprego entre pessoal qualificado.
O resultado é, como me confessaram, a qualidade cada vez mais baixa dos projectos apresentados à FCT, por jovens ainda pouco qualificados para avançarem com investigações mais profundas.
A opção de partir para um doutoramento não pode ser feita de animo leve e não pode ser vista como um emprego temporário. Um investigador de doutoramento tem de ser um cientista altamente qualificado, com um projecto capaz e com interesse para a nação cujos contribuintes lhe vão pagar. De outra forma, a investigação científica está condenada em Portugal. Ou alguém acredita que um bom cientista licenciado ou mestrado , de qualquer área, irá abandonar o seu emprego e o seu salário para sobreviver com uma bolsa da FCT?
Não sei o que o governo pensa, mas não me parece que as bolsas de doutoramento (as da FCT) são destinadas aos jovens recém licenciados. Primeiro, porque têm que ter uma média muito grande para serem aceites nas suas instituições e porque têm que ter publicações. As bolsas de investigação científica nos projectos, essas sim, visam atrair jovens para o trabalho de investigação e infelizmente são utilizadas pelos investigadores seniores para preencher insuficiências de pessoal afecto à investigação.
E não se esqueça que no meio de muitos jovens que, como a Elsa diz, não têm empenho nem capacidades para desenvover um trabalho de doutoramento de qualidade, há muitos outros, jovens ou não, que têm a capacidade de o fazer. E é nesses casos que a aposta é certa. Não se pode infelizmente ter uma certeza absoluta quando implementamos medidas de política. É melhor ter algum cuidado com estas afirmações porque é muito fácil ferir quem não tem qualquer culpa.
E para mim as bolsas de doutoramento são uma questão temporária. São afectas á realização de um trabalho claro, permitindo (com sacrifícios obviamente) ter o dia de trabalho exclusivamente para fazer investigação, se assim o desejamos, ou complementar com algumas aulas, se o queremos. Para mim proporciona precisamente a oportundade de fazer um trabalho de qualidade, porque há tempo e condições para isso, com alguma rapidez, também.
Fazer doutoramento é uma escolha séria. Concordo com a Elsa. QUem se mete nisso, tem de o fazer porque gosta, porque quer aprender, e porque faz sentido ter um doutoramento para a sua carreira. Porque o trabalho é arduo se se quer fazer um bom trabalho, de qualidade, e tem os seus momentos de altos e baixos. Mas quem é bom e gosta, vale a pena avançar.
Apetece-me dizer que valerá a pena ter uns trabalhos de mestrado ou doutoramento sobre a questão das bolsas e da investigação em Portugal. É preciso termos dados e pessoal que se dedica a tempo inteiro para compreender este fenómeno na sua íntegra. A ABIC está de parabéns pelo esforço que faz.
Irina