Em resposta ao email que recebi da parte da ABIC sobre a o cartaz a ser afixado a propósito do "trabalho científico", escrevi o seguinte:
Caros colegas,
Gostava de expressar a minha opinião sobre esta iniciativa. Julgo que dada a minha experiência como bolseiro de investigação científica e agora como bolseiro de gestão científica, posso contribuir para esta discussão.
Lamento ir contra a corrente geral da ABIC, mas julgo que se está a cometer um erro grave. Não é possível encarar a actividade de investigação científica do mesmo modo que se encaram outras actividades económicas por uma simples razão: a actividade científica não é uma actividade económica - não gera riqueza, o que faz é gerar conhecimento e permitir, eventualmente, aplicações industriais. O aproveitamento dessas aplicações industriais (geralmente por engenheiros, ou "cientistas aplicados") é que gera dinheiro e isso sim pode ser encarado como uma actividade económica (estou a pensar, por exemplo, nos spin-offs universitários e na contratação de peritos pela industria)
Portanto ao falar-se em "trabalho científico" transmite-se a mensagem implicita de que a actividade científica é um actividade económica e que deve ser tratada como tal. Isto é um erro.
O problema do financiamento das actividades científicas é um problema internacional, não afecta só Portugal, afecta toda a Europa e outros países. E é um problema muito grave, que nos devia preocupar a serio (a mim preocupa). Como financiar uma actividade que não é económica, que não gera riqueza, mas que ao mesmo tempo serve de alicerce para algumas actividades económicas? A solução mais óbvia (mas extremamente difícil de implementar) consiste em atrair o investimento do sector privado (a tal meta dos 2/3 de investimento privado é ridiculamente ambiciosa, mas revela o sobre-investimento do sector publico).
Há 50 anos este problema não se colocava porque os avanços científicos tinham uma correlação tecnológica forte, que foi diminuindo ao longo das décadas (saliento os exemplos que me são mais familiares da física nuclear e física do estado sólido), e haviam muito menos investigadores e bolseiros.
Criar contratos de emprego nesta situação de insustentabilidade económica é ingénuo (pior, isso pode ser o colapso completo do sistema de financiamento da investigação cientifica). O que falta em Portugal, mas existe na Europa (Programas Quadro http://cordis.europa.eu/en/home.html), é um plano de investigação nacional com metas bem definidas e financiamentos bem investidos. Isto é apenas um pequeno gesto no sentido de resolver o problema, que como digo é mais complexo do que alguns parecem entender. Em Portugal ninguem sabe o que deve ser investigado a uma escala nacional e não se sabe como envolver as empresas nos projectos de investigação. Pelo que, a menos que se descubram modos de aliciar o investimento privado e/ou de racionalizar as estruturas e os projectos de investigação, é ridículo fazer exigências como essa de querer converter bolsas em contratos de emprego. Ridículo, ingénuo e irresponsável. Teríamos investigadores profissionais a trabalharem não se sabe em quê, com o Estado a financiá-los cegamente (estou a pensar no peer review da FCT, sim!). É isso que queremos? Eu gostava muito de ter carreira de investigador, mas para investigar o QUÊ? Quem me vai pagar? O Estado que ameaça não ter dinheiro para sustentar o sistema de segurança social?
O facto de termos bolseiros a executar tarefas de investigação permanentes (e outras actividades não-científicas relacionadas com as instituições de investigação) resulta da incapacidade em definir bons métodos de financiamento que tenham em vista o retorno económico das actividades científicas, e/ou uma racionalização das mesmas (no caso maioritário de retorno económico indefinido ou de longo prazo).
Naturalmente o financiamento público terá sempre de assegurar a sobrevivência de áreas de investigação chave, principalmente nos ramos teóricos fundamentais cuja ligação a aplicações industriais é mais remota. Mas o que se faz actualmente é financiar pelo bolso público toda a investigação sem critério e sem rumo. O dinheiro não chega para tudo, muito menos para termos investigadores profissionais a estudarem o sexo das mariposas (sic).
Sou completamente contra a criação de contratos de emprego para investigadores nestas condições. É necessário pensar na ciência que se faz e como financiá-la. A politica actual da ABIC é ignorar completamente a dimensão cientifica do problema e fazer o mesmo que os partidos da oposição (em particular os de esquerda, lamento mas a comparação é espontânea) -- i.e. atirar contra o Governo, o eterno bode espiatório, o bicho papão (é naïve, é básico e pouco inteligente). Os maiores responsáveis somos nós, os cientistas, que não nos juntamos para pensar no que fazemos e se o que fazemos é economicamente sustentável!!
Cumprimentos,
Mario Amaral
O problema do financiamento de actividades cientificas
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"Prioridades e estratégias"; cujo objectivo é a discussão daquilo que os bolseiros consideram ser as prioridades para a melhoria das suas condições enquanto jovens investigadores e as estratégias a seguir para atingir os objectivos propostos.
"Prioridades e estratégias"; cujo objectivo é a discussão daquilo que os bolseiros consideram ser as prioridades para a melhoria das suas condições enquanto jovens investigadores e as estratégias a seguir para atingir os objectivos propostos.
O problema do financiamento de actividades cientificas
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Re: O problema do financiamento de actividades cientificas
Caro Mario,
Sendo a sua preocupacao genuína, temos varias maneiras de ultrapassar o no gordio onde estamos, das duas uma, ou as bolsas não servem para nada e devem acabar, ou se servem então quem tem bolsas deve ser tratado não como um cidadão de 2 sem direitos ou regalias, que e o caso presente.
Embora concorde nalgumas coisas que diz, fico sem saber qual a solucao que propõe?
Muitas vezes existe conhecimento que não pode ser usado imediatamente por ser demasiado avançado para o tempo, mas isso e outra historia.
Mas so por brincadeira, imagine-se todos os laboratórios, toda a actividade cientifica que não cria riqueza fechar ao mesmo tempo em todo o mundo, deixar de existir... que aconteceria? Não vou entrar aqui na teoria do trabalho intelectual ser ou não reprodutivo.
Ja agora pela mesma ordem de ideias que se fechem escolas, tribunais, hospitais etcetera.
Cumprimentos,
Mario Amaral
Cumprimentos,
Paulo Silva
Sendo a sua preocupacao genuína, temos varias maneiras de ultrapassar o no gordio onde estamos, das duas uma, ou as bolsas não servem para nada e devem acabar, ou se servem então quem tem bolsas deve ser tratado não como um cidadão de 2 sem direitos ou regalias, que e o caso presente.
Embora concorde nalgumas coisas que diz, fico sem saber qual a solucao que propõe?
Certo. Mas sendo assim, o que os cientistas são, e um grupo de alienados que não estudam e tentam compreender a realidade, resolvendo os problemas que se põem ao ser humano de forma a que a vida neste planeta seja mais fácil. E que da forma que põe a coisa ate parece que andamos a investigar e a adquirir conhecimento para por numa prateleira e la ficar quietinho, que como sabemos não e o caso.myoko Escreveu:Em resposta ao email que recebi da parte da ABIC sobre a o cartaz a ser afixado a propósito do "trabalho científico", escrevi o seguinte:
Caros colegas,
Gostava de expressar a minha opinião sobre esta iniciativa. Julgo que dada a minha experiência como bolseiro de investigação científica e agora como bolseiro de gestão científica, posso contribuir para esta discussão.
Lamento ir contra a corrente geral da ABIC, mas julgo que se está a cometer um erro grave. Não é possível encarar a actividade de investigação científica do mesmo modo que se encaram outras actividades económicas por uma simples razão: a actividade científica não é uma actividade económica - não gera riqueza, o que faz é gerar conhecimento e permitir, eventualmente, aplicações industriais. O aproveitamento dessas aplicações industriais (geralmente por engenheiros, ou "cientistas aplicados") é que gera dinheiro e isso sim pode ser encarado como uma actividade económica (estou a pensar, por exemplo, nos spin-offs universitários e na contratação de peritos pela industria)
Muitas vezes existe conhecimento que não pode ser usado imediatamente por ser demasiado avançado para o tempo, mas isso e outra historia.
Mas so por brincadeira, imagine-se todos os laboratórios, toda a actividade cientifica que não cria riqueza fechar ao mesmo tempo em todo o mundo, deixar de existir... que aconteceria? Não vou entrar aqui na teoria do trabalho intelectual ser ou não reprodutivo.
Ja agora pela mesma ordem de ideias que se fechem escolas, tribunais, hospitais etcetera.
Talvez para si, não para muitos, e e exactamente essa ideia que a sociedade Portuguesa tem dos trabalhadores científicos, dai ser difícil mudar as nossas condicoes de cidadãos de segunda.myoko Escreveu:Portanto ao falar-se em "trabalho científico" transmite-se a mensagem implicita de que a actividade científica é um actividade económica e que deve ser tratada como tal. Isto é um erro.
Penso que o correcto será dizer, o financiamento da actividade cientifica fundamental ou básica pelo sector privado. Pois a outra e bem financiada pelo sector privado, veja-se o caso da investigacao feita pelas farmacêuticas, e pela industria do armamento. No caso português, praticamente so o estado financia a I&D. Mas se não se semear nunca se vai colher.myoko Escreveu:O problema do financiamento das actividades científicas é um problema internacional, não afecta só Portugal, afecta toda a Europa e outros países. E é um problema muito grave, que nos devia preocupar a serio (a mim preocupa). Como financiar uma actividade que não é económica, que não gera riqueza, mas que ao mesmo tempo serve de alicerce para algumas actividades económicas? A solução mais óbvia (mas extremamente difícil de implementar) consiste em atrair o investimento do sector privado (a tal meta dos 2/3 de investimento privado é ridiculamente ambiciosa, mas revela o sobre-investimento do sector publico).
Não entendo, então e bom ou mau haver mais investigadores hoje em dia? Também não entendo a correlacao tecnológica forte, basta ver o progresso feito pelos processadores desde 10 anos atrás, a implementacao da internet, a banda larga, os próprios aviões de hoje os automóveis, a eficiência das células fotovoltaicas, a caracterizacao de vias metabólicas e a lista e longa...myoko Escreveu:Há 50 anos este problema não se colocava porque os avanços científicos tinham uma correlação tecnológica forte, que foi diminuindo ao longo das décadas (saliento os exemplos que me são mais familiares da física nuclear e física do estado sólido), e haviam muito menos investigadores e bolseiros.
A insustentabilidade económica ainda tem de ser mostrada, pois se formos ver a coisa por parte de critérios economicistas, se calhar Portugal não tinha tantas auto estradas, não se teria realizado o Euro 2004, a Expo 98 so para citar as recentes, que perto dos 700 milhoes de euros gastos em I&D pelo sector publico e uma gota de agua, infelizmente.myoko Escreveu:Criar contratos de emprego nesta situação de insustentabilidade económica é ingénuo (pior, isso pode ser o colapso completo do sistema de financiamento da investigação cientifica).
Tenho de discordar, como disse o Prof António Coutinho a algum tempo atrás, a I&D em Portugal e como um arbusto, plantado durante os 90 do sec XX, agora esta na hora de começar a podar os ramos que não prestam, dai a avaliacao das unidades de investigacao em curso.myoko Escreveu:O que falta em Portugal, mas existe na Europa (Programas Quadro http://cordis.europa.eu/en/home.html), é um plano de investigação nacional com metas bem definidas e financiamentos bem investidos. Isto é apenas um pequeno gesto no sentido de resolver o problema, que como digo é mais complexo do que alguns parecem entender. Em Portugal ninguem sabe o que deve ser investigado a uma escala nacional e não se sabe como envolver as empresas nos projectos de investigação.
Talvez para si.myoko Escreveu:Pelo que, a menos que se descubram modos de aliciar o investimento privado e/ou de racionalizar as estruturas e os projectos de investigação, é ridículo fazer exigências como essa de querer converter bolsas em contratos de emprego.
Ai vai um pouco de confusão, porque o documento da ABIC foi lido provavelmente na diagonal, o que o documento diz e que durante o tempo que se esta a investigar se tenha um contrato de trabalho, não se esta a pedir para ser funcionário publico.myoko Escreveu:Ridículo, ingénuo e irresponsável. Teríamos investigadores profissionais a trabalharem não se sabe em quê, com o Estado a financiá-los cegamente (estou a pensar no peer review da FCT, sim!). É isso que queremos? Eu gostava muito de ter carreira de investigador, mas para investigar o QUÊ? Quem me vai pagar? O Estado que ameaça não ter dinheiro para sustentar o sistema de segurança social?
Eu acho que a interpretacao esta coxa, pois não tem lógica nenhuma alguém ter uma bolsa e estar a executar trabalho que alguém devia fazer de forma permanente, ou seja o bolseiro esta a fazer o trabalho de alguém que devia estar no mesmo lugar com um normal contrato de trabalho. A não ser que haja aqui uma ideia economicista, o bolseiro sai mais barato que o trabalhador a contrato....myoko Escreveu:O facto de termos bolseiros a executar tarefas de investigação permanentes (e outras actividades não-científicas relacionadas com as instituições de investigação) resulta da incapacidade em definir bons métodos de financiamento que tenham em vista o retorno económico das actividades científicas, e/ou uma racionalização das mesmas (no caso maioritário de retorno económico indefinido ou de longo prazo).
Como disse acima nem toda a investigacao e de qualidade dai a avaliacao que esta a ser feita para começar a poda.myoko Escreveu:Naturalmente o financiamento público terá sempre de assegurar a sobrevivência de áreas de investigação chave, principalmente nos ramos teóricos fundamentais cuja ligação a aplicações industriais é mais remota. Mas o que se faz actualmente é financiar pelo bolso público toda a investigação sem critério e sem rumo. O dinheiro não chega para tudo, muito menos para termos investigadores profissionais a estudarem o sexo das mariposas (sic).
Ok, não temos todos de ter a mesma opinião. Quando os contratos avançarem, diga que quer a bolsa não o contrato de trabalho.myoko Escreveu:Sou completamente contra a criação de contratos de emprego para investigadores nestas condições.
Ninguém atira nada contra ninguém, basta ver o que o actual Ministro disse na I conferencia do emprego cientifico da ABIC.myoko Escreveu:É necessário pensar na ciência que se faz e como financiá-la. A politica actual da ABIC é ignorar completamente a dimensão cientifica do problema e fazer o mesmo que os partidos da oposição (em particular os de esquerda, lamento mas a comparação é espontânea) -- i.e. atirar contra o Governo, o eterno bode espiatório, o bicho papão (é naïve, é básico e pouco inteligente).
Não e bem verdade, existem imensos encontros em Portugal e no estrangeiro para se falar acerca das solucoes promovidos por cientistas e não so.myoko Escreveu:Os maiores responsáveis somos nós, os cientistas, que não nos juntamos para pensar no que fazemos e se o que fazemos é economicamente sustentável!!
Cumprimentos,
Mario Amaral
Cumprimentos,
Paulo Silva