Sobre a ideia de se fazer uma greve de bolseiros

Discussão das prioridades para a melhoria das condições enquanto jovens investigadores e as estratégias a seguir para as atingir.
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AL
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Sobre a ideia de se fazer uma greve de bolseiros

Mensagem por AL »

Em várias reuniões de bolseiros, onde se discute formas de actuação, formas de luta, há ocasionalmente a sugestão de se fazer uma greve. A questão tem sido debatida, nessas reuniões, no seio da direcção, e como enviei recentemente uma resposta por email a essa mesma sugestão vou aproveitar parte desse texto para aqui expor o que penso sobre isso. Adaptei em parte o texto, mas desculpem e não estranhem se o tom não for de texto enviado para o Fórum, mas sim para uma pessoa amiga.
Temos evitado essa forma mais avançada de luta, em parte precisamente por ser mais avançada, isto é, exige já um nível de consciencialização, coordenação e comunicação entre bolseiros, e mobilização para a luta que creio não termos ainda. Dai apostarmos mais em iniciativas cujo efeito mediático não dependa necessariamente do número de participantes.

[A iniciativa na Rua Augusta, de Alerta Geral, no dia 11 de Dezembro] foi efectivamente das mais fracas, talvez por causa do clima, do dia, da hora, do local, não sei. A "Fuga de Cérebros" no aeroporto de Lisboa e o "Bolseiros nas Lonas" frente à AR tiveram mais gente. Estas duas foram também pensadas como apelativas, simbólicas, não dependendo do número de pessoas, mas no aeroporto acabou por vir 2-3 dezenas de pessoas, e à AR umas 80 - não sei ao certo porque não pude estar (montaram-se tendas, etc.) A iniciativa de luta que foi mais mobilizadora foi a concentração frente ao MCTES, em Julho de 2007, onde entregamos o nosso abaixo assinado exigindo a alteração do estatuto (com mais de 3000 assinaturas) e que contou certamente com mais de 120 pessoas (vê aqui).

Esse foi o momento alto de mobilização. Depois do verão de 2007, reentrou-se com uma estrutura orgânica da ABIC com menor disponibilidade (exigências de trabalho, alguns no estrangeiro, etc.) e o processo de revisão do estatuto passou a assumir contornos mais de relação institucional (houve mais abertura por parte do MCTES e da FCT em reunir).

Durante demasiados meses, devido à falta de recursos humanos na ABIC para organizar e porque estávamos a dar tempo para ver onde ia conduzir a conversa institucional, não se fizeram novas acções. Mas reforçou-se um pouco a estrutura orgânica da ABIC, embora esta ainda necessite de um grande reforço, a nível central e nos núcleos.

Mas ainda sobre a forma "greve". A ABIC chegou a convocar os bolseiros para a Greve Geral de 30 de Maio. Houve alguma adesão (até um bolseiro que entrou em conflito com o seu instituto, que contactou a FCT tendo esta indicado que bolseiros não podiam fazer greve, porque não eram trabalhadores - vê lá, um direito constitucional, o direito à greve; até os estudantes fazem greve, mas os bolseiros não podem). Esta greve levantou também uma questão para algumas pessoas, inclusive dentro da direcção, por ter sido convocada pela CGTP. Havia quem tivesse receio que a ABIC ficasse conotada, embora não existam quaisquer bases para duvidar da independência e autonomia da ABIC.

A adesão à greve geral de 30 de Maio foi baixa, ou seja temos ideia que foi baixa pois é difícil quantificar o número de bolseiros participantes, o que é uma ponta do véu da questão de UM DIA de "greve de bolseiros". Um bolseiro de ciências humanas que geralmente até trabalha em casa e faça greve que efeito tem? Um biólogo que precisa de mudar as moscas todos os dias de frasco para o seu doutoramento faz greve? Quem é que sai mais prejudicado, não é ele? E sendo certo que os bolseiros são uma fracção que tem um peso quantitativo e qualitativo significante, a verdade é que o efeito de um dia de greve não tem o mesmo impacto que, digamos, uma greve do Metro (que deixa passageiros sem meio de trasporte), de professores (pais sem saber o que fazer com os filhos), ou de uma fábrica (onde a administração produz menos 100 carros, por exemplo).

O efeito dos bolseiros não trabalharem UM DIA, pelo tipo de trabalho que fazem, prejudica alguns investigadores/docentes sem prejudicar o bolseiro, por exemplo quando são bolseiros técnicos ou de gestão, que não estão a tirar um grau. Mesmo um pós-doc, que portanto não está a tirar grau, mas tem um plano de trabalhos, pode fazer greve mais que efeito tem ele não trabalhar. Excluindo os tais casos como os do biólogo, é como um dia de férias (ou melhor "descanso"). Ele não ganha menos por fazer greve. Atrasa um pouco o trabalho, o artigo sai mais tarde. Mas a menos que ele não tenha qualquer interesse pessoal no trabalho que faz, chateia o seu orientador, a produção da unidade sai um niquinho prejudicada, mas na mesma medida que o próprio bolseiro é prejudicado. Como vês a própria natureza do bolseiro e a sua diversidade faz com que a greve não tenha o mesmo impacto que noutros sectores, e não é uma forma que tenha o mesmo impacto para diferentes bolseiros, i.e., é uma forma de luta que divide em vez de unir os bolseiros enquanto grupo. A adesão à greve geral pareceu-nos ser diferente porque era ... uma greve geral. E fizemos a sugestão que os bolseiros que precisassem de trabalhar mas estivessem solidários com a greve, usassem um indicativo de solidariedade com a greve na sua roupa enquanto estivessem no local de trabalho.

Tenho andado a sublinhar UM DIA, porque naturalmente o impacto de um greve por tempo indeterminado seria maior. Mas persistem os problemas de quem sai mais prejudicado, e o número de pessoas que consegues convencer a fazer greve por tempo indeterminado é ainda menor que fazer greve apenas durante um dia.

Referiste também um aspecto que é interessante: o apoio que alguns professores dariam a uma greve de bolseiros. A greve coloca-nos mais directamente em conflito com quem? Os investigadores principais ou orientadores. Mais uma vez isto divide os bolseiros. Há os que são financiados por estes (através de projectos, etc.) e há os que são financiados pela FCT.

Por outro lado, a ABIC tem procurando aprofundar os laços com os investigadores/docentes, dialogando com eles e com os sindicatos. Os investigadores/docentes são em certa medida cúmplices do abuso dos bolseiros. Alguns fazem-no sem qualquer problema ideológico, outros nem pensam nem estão atentos à questão (é o status quo), outros até nem gostam e prefeririam celebrar um contrato de trabalho, mas têm de gerir o dinheiro que têm e a bolsa é menos onerosa que um contrato de trabalho. Esta questão do financiamento é um potencial elemento de unidade entre os bolseiros e os docentes/investigadores, lutar por mais financiamento, incluindo financiamento para poder celebrar contratos de trabalho com os investigadores/técnicos em vez de estes serem financiados com bolsas (directa ou indirectamente). Recentemente, a propósito da revisão do nosso estatuto e porque o MTCES tem prometido também a revisão dos Estatuto da Carreira do Docente Universitário (ECDU), Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC), e Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), a ABIC reuniu com a FENPROF/Superior (afiliada à CGTP), FNE (afiliada à UGT) e SNESup (não afiliada a qualquer central sindical), para que haja concertação na revisão dos 4 estatutos, que afinal de contas dizem respeito a uma população muito estreitamente relacionada. (Vê a propósito este tópico no fórum). A FENPROF e o SNESup conhecem bem a condição dos bolseiros, e as 3 organizações concordam com esta ideia de revisão articulada, e estão solidários com várias das nossas questões. Inclusivamente, a FENPROF e SNESup abriram a porta à ABIC para esta participar em negociações com o governo quando forem discutidos aspectos que afectem os bolseiros.

Mas a ligação com os sindicatos é apenas parte do trabalho de solidariedade com os investigadores/docentes que há que desenvolver. Há que trabalhar nos institutos, tanto com os bolseiros como com os investigadores/docentes, explicando a situação (alguns não fazem ideia nenhuma, nem imaginam outro enquadramento) e procurando a sua solidariedade. O abaixo assinado que apresentámos ao MCTES foi um instrumento para travar esse diálogo e aproximação, e conseguimos várias assinaturas de investigadores/docentes. Mas há que fazer mais neste campo.
Por isso a ideia de fazer greve, isto é não trabalhar, não me parece uma boa forma de luta para os bolseiros. Creio que temos de encontrar outras formas de demonstrar a nossa importância, o nosso contributo, e outras formas de pressionarmos a tutela.

Na concentração frente ao MCTES concretizamos a ideia de fazer painéis de pano com as primeiras páginas de artigos científicos produzidos por bolseiros, como forma de ilustrar o impacto positivo que estes têm no Sistema Científico e Tecnológico Nacional.

Mas mesmo iniciativas simbólicas como as referidas atrás, têm um impacto não linearmente proporcional à participação, e isso passa pelo papel dos media. A relação entre a ABIC e os média é algo que tem evoluído muito positivamente, com cada vez mais jornalistas conhecendo a ABIC, contactando-a para comentários, convidando-a a aparecer na televisão (já fui à SICMulher!). Embora hajam média no qual vai variando a pessoa que nos contacta, o que força a re-explicar coisas e pode conduzir a erros por parte do jornalista, há outros média com quem temos relação com um jornalista em particular, que acompanha a ABIC e a ciência em geral. Os jornalistas são em geral muito solidários connosco, ou porque conhecem bolseiros, ou porque eles próprios também têm uma situação de precariedade e insegurança. Os jornalistas têm um efeito duplo. O primeiro, mais óbvio, é nos peças que produzem (artigos, entrevistas na rádio ou tv, etc.). O segundo é pegarem nos nossos comunicados e confrontarem a tutela com perguntas, forçando-os a tomar posição publicamente, o que também é muito importante, não só por assim tomarem posição e sabermos qual é, mas além disso a tutela sente que a ABIC e a questão dos bolseiros recebe atenção, e logo vê-se forçada a dar-nos atenção.

A luta tem altos e baixos, e embora seja claro melhor ter mais gente, o efeito de uma iniciativa não se mede apenas pelo seu número de participantes. Claro que como forma de consciencializar os bolseiros, é importante procurar formas de luta e iniciativas (como a Conferência e Feira de Emprego Científico, do passado dia 18) que chamem mais e mais pessoas.
Força
André Levy - Biólogo
Bolsa de Pós Doutoramento - ISPA
Direcção da ABIC

kroggia
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Re: Sobre a ideia de se fazer uma greve de bolseiros

Mensagem por kroggia »

Talvez a aposta em maior exposição nos média seria uma boa, ao meu ver. Para isso seria realmente interessante ter um calendário de acções um tanto mais regular... Foi uma pena a iniciativa da Rua Augusta não ter tido muita adesão, eu mesma tinha planeado de lá aparecer, mas devido à chuva (e com medo de apanhar uma gripe) acabei desistindo... Nessa época de clima incerto seria interessante lugares fechados :wink:

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