Concordo com alguns dos argumentos
Posted: Thu Oct 27, 2005 5:13 pm
Eu acho que há aqui uma questão que ainda ninguém tocou, que é o facto de com bolsas o Estado se furtar às suas responsabilidades, que são o de formar licenciados e doutorados de acordo com as necessidades do país, baseados em estudos prospectivos de mercado de trabalho. É possível saber os hábitos de consumo dos portugueses relativamente a automóveis, mas não se consegue prever o número de médicos, de biólogos, de bioquímicos, de engenheiros ambientais ou de farmacêuticos que vamos precisar?
A bolsa é um falso emprego, é o escape possível, é o adiamento mais ou menos natural da falta de empregabilidade. O presidente do conselho directivo de uma determinado departamento de uma universidade pública portuguesa afirma frequentemente que não compete à universidade adaptar o número de vagas que abre anualmente relativamente às reais necessidades do país. Asneiras destas já sºao graves por si, mas mais graves são quando proferidas por pessoas alegadamente com responsabilidades. Então o Orçamento de Estado, ao invés de formar profissionais necessários e úteis, forma futuros desempregados ou sub-empregados e a esmagadora maioria (estatísticas recentes mostram aproximadamente 81%) dos alunos desse departamento recorrem a bolsas no final da licenciatura.
Tive a oportunidade de, ao longo do meu doutoramento, contactar com biólogos, bioquímicos e licenciados em ciências do meio aquático que me diziam não haver mercado de trabalho. E eu acredito, era um facto. E de quem é a responsabilidade? Das Escolas, das Universidades e dos respectivos Conselhos Científicos. E o divórcio do Estado, após este autismo doentio que só beneficia os docentes (lógica de "mais alunos, mais dinheiro, mais projectos, mais artigos, mais rápida progressão na carreira"), tem o desplante de garantir um emprego de 2ª, forçando os bolseiros ao espartilho de um regime de exclusividade imoral e até ridículo.
Quando digo que este regime só beneficia os docentes, coloco-vos perante esta opinião: enquanto os orientadores, docentes de carreira (bem pagos, com emprego garantido até ao final da vida) conseguirem ter os bolseiros sob a sua exclusiva alçada, continuarão todos os abusos que já relatei, continuarão os atropelos e os desrespeitos, e continuarão os bolseiros sem acesso ao real emprego e às regalias que deveriam ter direito.
A anterior ministra da Ciência e Ensino Superior, disse uma vez que gostaria de manter vivo o "espírito bolseiro". Isto é de uma hipocrisia gritante, principalmente para quem está no topo de carreira, com a reforma assegurada e com um salário, digamos, 4 vezes superior a uma bolsa de doutoramento. O espírito bolseiro só serve para escamotear a seguinte realidade: são os bolseiros que fazem rodar a roda da ciência portuguesa. Sem eles, não haveria publicações, nem competitividade, nem congressos internacionais com presenças lusas. E também não haveria progressão na carreira docente dos seus orientadores. E essa filosofia rasca que ouço aos meus colegas docentes de que "fazem um favor aos alunos por os orientarem" tem de acabar. Nunca invoquei esse argumento para com os meus alunos, porque já fui bolseiro, e era vergonhoso ouvir isso.
O "espírito bolseiro" tem como base a noção de que o bolseiro está em "formação", no pior sentido do termo, no sentido paternalista. De facto, é verdade. Mas essa "formação" dá um enorme jeito a alguns, nomeadamente aos mesmos que a consideram "formação": os docentes. Se por um lado, o que os bolseiros fazem não é trabalho, então o que os orientadores fazem também não é trabalho, porque também eles estão em formação. Convido então as instâncias universitárias a não enviar as publicações que tenham sido realizadas com bolseiros de investigação para o MCTES, e vamos ver em que ficamos; as estatísticas junto da União Europeia seriam interessantes. Quando algum laboratório quer fazer show-off, dizendo que tem muitos colaboradores, elabora longas listas de trabalhadores, e nelas inclui os bolseiros em "formação". E de acordo com a lógica da "formação contínua" passamos toda a nossa vida em formação, logo não deveríamos ter direito a regalias sociais em nenhum momento da nossa vida, não? A hipocrisia abunda...
Quando se fala dos limites da actuação dos bolseiros, creio já ter disparado algumas setas contra o parasitismo bolseiro, porque se há docentes maus, se há sistemas de financiamento maus, se há instituições más, também há maus bolseiros. Seria lírico ter uma visão maniqueísta da realidade, e dizer que uns são todos bons e outros todos maus, ou dizer que os bolseiros são uns coitadinhos indefesos na mandíbula do monstro. No entanto, a figura de fiscalização, presente no EBIC, afigura-se-me como a única resposta paa evitar a anarquia que a Moongirl relatou, e de que também conheço alguns casos. A lei existe, o estatuto existe, e alguns dos seus mecanismos são interessantes. Mas de que nos vale uma boa lei, se ninguém a cumpre e ninguém a faz cumprir?
A bolsa é um falso emprego, é o escape possível, é o adiamento mais ou menos natural da falta de empregabilidade. O presidente do conselho directivo de uma determinado departamento de uma universidade pública portuguesa afirma frequentemente que não compete à universidade adaptar o número de vagas que abre anualmente relativamente às reais necessidades do país. Asneiras destas já sºao graves por si, mas mais graves são quando proferidas por pessoas alegadamente com responsabilidades. Então o Orçamento de Estado, ao invés de formar profissionais necessários e úteis, forma futuros desempregados ou sub-empregados e a esmagadora maioria (estatísticas recentes mostram aproximadamente 81%) dos alunos desse departamento recorrem a bolsas no final da licenciatura.
Tive a oportunidade de, ao longo do meu doutoramento, contactar com biólogos, bioquímicos e licenciados em ciências do meio aquático que me diziam não haver mercado de trabalho. E eu acredito, era um facto. E de quem é a responsabilidade? Das Escolas, das Universidades e dos respectivos Conselhos Científicos. E o divórcio do Estado, após este autismo doentio que só beneficia os docentes (lógica de "mais alunos, mais dinheiro, mais projectos, mais artigos, mais rápida progressão na carreira"), tem o desplante de garantir um emprego de 2ª, forçando os bolseiros ao espartilho de um regime de exclusividade imoral e até ridículo.
Quando digo que este regime só beneficia os docentes, coloco-vos perante esta opinião: enquanto os orientadores, docentes de carreira (bem pagos, com emprego garantido até ao final da vida) conseguirem ter os bolseiros sob a sua exclusiva alçada, continuarão todos os abusos que já relatei, continuarão os atropelos e os desrespeitos, e continuarão os bolseiros sem acesso ao real emprego e às regalias que deveriam ter direito.
A anterior ministra da Ciência e Ensino Superior, disse uma vez que gostaria de manter vivo o "espírito bolseiro". Isto é de uma hipocrisia gritante, principalmente para quem está no topo de carreira, com a reforma assegurada e com um salário, digamos, 4 vezes superior a uma bolsa de doutoramento. O espírito bolseiro só serve para escamotear a seguinte realidade: são os bolseiros que fazem rodar a roda da ciência portuguesa. Sem eles, não haveria publicações, nem competitividade, nem congressos internacionais com presenças lusas. E também não haveria progressão na carreira docente dos seus orientadores. E essa filosofia rasca que ouço aos meus colegas docentes de que "fazem um favor aos alunos por os orientarem" tem de acabar. Nunca invoquei esse argumento para com os meus alunos, porque já fui bolseiro, e era vergonhoso ouvir isso.
O "espírito bolseiro" tem como base a noção de que o bolseiro está em "formação", no pior sentido do termo, no sentido paternalista. De facto, é verdade. Mas essa "formação" dá um enorme jeito a alguns, nomeadamente aos mesmos que a consideram "formação": os docentes. Se por um lado, o que os bolseiros fazem não é trabalho, então o que os orientadores fazem também não é trabalho, porque também eles estão em formação. Convido então as instâncias universitárias a não enviar as publicações que tenham sido realizadas com bolseiros de investigação para o MCTES, e vamos ver em que ficamos; as estatísticas junto da União Europeia seriam interessantes. Quando algum laboratório quer fazer show-off, dizendo que tem muitos colaboradores, elabora longas listas de trabalhadores, e nelas inclui os bolseiros em "formação". E de acordo com a lógica da "formação contínua" passamos toda a nossa vida em formação, logo não deveríamos ter direito a regalias sociais em nenhum momento da nossa vida, não? A hipocrisia abunda...
Quando se fala dos limites da actuação dos bolseiros, creio já ter disparado algumas setas contra o parasitismo bolseiro, porque se há docentes maus, se há sistemas de financiamento maus, se há instituições más, também há maus bolseiros. Seria lírico ter uma visão maniqueísta da realidade, e dizer que uns são todos bons e outros todos maus, ou dizer que os bolseiros são uns coitadinhos indefesos na mandíbula do monstro. No entanto, a figura de fiscalização, presente no EBIC, afigura-se-me como a única resposta paa evitar a anarquia que a Moongirl relatou, e de que também conheço alguns casos. A lei existe, o estatuto existe, e alguns dos seus mecanismos são interessantes. Mas de que nos vale uma boa lei, se ninguém a cumpre e ninguém a faz cumprir?