A cada investigador um contrato - Carta Aberta • 20 anos da ABIC

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A cada investigador um contrato - Carta Aberta • 20 anos da ABIC

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Carta Aberta • 20 anos da ABIC

A cada investigador um contrato: fim do Estatuto do Bolseiro de Investigação

Vinte foram os anos que passaram desde que foi fundada a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC). O objectivo principal da ABIC é só um: a sua extinção. É-o porque, no dia em que acontecer, significará que o Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) foi revogado e as bolsas de investigação foram substituídas por contratos de trabalho. Passadas duas décadas, podemos afirmar que, ainda que esse objectivo não esteja alcançado, várias foram as conquistas decisivas para a melhoria das condições laborais dos investigadores com vínculo de bolsa.

Falamos do acesso à licença de maternidade. Falamos da actualização do valor das bolsas. Falamos do fim legal das bolsas de gestão de ciência e de técnico de investigação. Falamos da generalização dos contratos de trabalho, ainda que precários, para investigadores doutorados. Falamos da integração de alguns trabalhadores científicos nas respectivas carreiras. Todas conquistas de enorme significado, mas com profundas lacunas e limitações no enquadramento legal e na execução por parte de quem nos tem governado, da Fundação para a Ciência e Tecnologia, e das instituições científicas. Sabemos isso e sabemos que é preciso ir mais longe. Apenas uma mudança estrutural do Sistema Científico e Tecnológico Nacional permitirá dignificar a profissão e valorizar a investigação científica.

A grande vitória, ainda assim, foi a união dos trabalhadores científicos por objectivos comuns, a consciencialização de todos de que as bolsas de investigação cobrem de facto trabalho científico, e que é justo e merecido que a estes trabalhadores sejam garantidos os mesmos direitos que a qualquer outro trabalhador de qualquer outro contexto laboral.

Contudo ainda muito está por conquistar. Relembremos as condições laborais que continuam a ser enfrentadas pelos investigadores com vínculo de bolsa. No âmbito dos seus contratos de bolsa e segundo o EBI, estes investigadores têm de cumprir as regras de funcionamento da entidade de acolhimento, assim como as directrizes do seu orientador científico, e são obrigados a manter-se num regime de dedicação exclusiva, não lhes sendo permitido o exercício de qualquer outra profissão ou actividades remuneradas, salvo nalgumas situações excepcionais. Têm, portanto, de cumprir as mesmas regras de um contrato de trabalho, tal como inscrito no Código do Trabalho.

Não têm, no entanto, os mesmos direitos. Os investigadores com bolsa não têm direito a receber subsídio de férias nem de Natal. Não têm direito a subsídio de refeição. Os investigadores com bolsa, por via da sua inscrição apenas facultativa (uma não obrigatoriedade que é importante, já que a carreira contributiva da Segurança Social apenas contabiliza os anos de inscrição) num pseudo-regime da Segurança Social denominado Seguro Social Voluntário, não têm direito ao mais básico dos subsídios de desemprego. Têm direito a alguma protecção social, como sejam os subsídios de maternidade, doença ou velhice, mas apenas como se recebessem o Indexante de Apoios Sociais, que é neste momento pouco superior a 480 euros, ou seja, menos do que o Salário Mínimo Nacional (SMN). Quanto ao acesso ao subsídio de doença, ao contrário dos trabalhadores por conta de outrem (que recebem a partir do 4º dia em que não possam trabalhar) e dos trabalhadores independentes (que recebem a partir do 11º) os beneficiários do Seguro Social Voluntário apenas têm direito a receber subsídio de doença a partir do 31º dia. Mais, nem todos os bolseiros se podem inscrever neste sistema: precisam que os seus contratos de bolsa tenham uma duração igual ou superior a 6 meses.

E mesmo os direitos que damos por garantidos só o são em determinados casos. O direito à maternidade é paradigmático disto mesmo. No caso das bolsas directamente financiadas pela FCT, as investigadoras têm direito à suspensão da actividade nos termos previstos pelo Código do Trabalho, mantendo-se o pagamento da bolsa pelo tempo correspondente (100% se for durante 4 meses, 80% se for durante 5 meses). No entanto, para as bolsas indirectamente financiadas, tendo também o direito à suspensão da actividade, a manutenção do pagamento da remuneração fica dependente de cabimentação orçamental (que pode não o prever) ou da duração do projecto em causa (que pode terminar antes da licença de maternidade, cessando logo o pagamento). No final, nem todas as bolsas são sequer iguais, ainda que se rejam pelo mesmo Estatuto.

Os investigadores com vínculo de bolsa não deixam no entanto de produzir ciência e inovação. São uma parte significativa dos trabalhadores científicos do estado e instituições de ensino superior. São responsáveis directos e indispensáveis pela contínua e crescente produtividade científica do país. Pela publicação em revistas indexadas, pelo licenciamento de patentes, pela publicação de livros, pela curadoria de museus e exposições, pela realização de conferências, pela transferência de conhecimento, pela divulgação e comunicação de ciência. Os investigadores com bolsa não são meros estudantes em formação. São trabalhadores científicos e exige-se que tenham os mesmos direitos que os restantes trabalhadores.

Mantém-se, portanto, a actualidade e a pertinência daquela que sempre foi a principal reivindicação da ABIC: a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação e a substituição de todas as bolsas por contratos. É absolutamente fundamental garantir aos trabalhadores científicos plenos direitos laborais, como são os direitos a um salário digno, à regulação dos seus tempos de trabalho e de descanso, a férias pagas e ainda o direito à assistência e protecção na doença, no desemprego e na parentalidade. Esta é já a norma em diversos países europeus e é também a norma em Portugal para situações análogas fora do sector da ciência.

Enquanto a revogação do EBI não acontece, mas nunca a perdendo de vista, importa garantir que, enquanto há bolsas, estes investigadores mantêm os poucos direitos e condições laborais que ainda têm. Em época de aumentos desmedidos do custo de vida – dos preços dos alimentos à energia, das rendas de casa às telecomunicações – é mais urgente do que nunca que a actualização dos valores das bolsas de investigação ao valor da inflação de 2022, mas também dos anos durante os quais estiveram congeladas, entre 2002 e 2019, com perdas de poder de compra que ultrapassam, em 2022, os 26% (234 euros de perda mensal em bolsas de licenciado, 315 euros em bolsas de mestre, 541 euros em bolsas de doutor), sem esquecer que um investigador com bolsa recebe tal valor ao longo de 12 meses, e não durante 14 meses, como noutros contratos de trabalhos. Importa que não nos esqueçamos também das bolsas de iniciação científica, que correspondem a 486,12 euros. São 274 euros abaixo do SMN, em regime de exclusividade.

Nós, os cerca de 13000 investigadores que trabalham em Portugal ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação, exigimos:

que todas as bolsas sejam substituídas por contratos de trabalho;

• o fim do Estatuto do Bolseiro de Investigação.

A Direcção da Associação de Bolseiros de Investigação Científica

31 de Janeiro de 2023

https://abic-online.org/noticia/carta-a ... s-da-abic/

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