Deixo aqui uma primeira proposta de apreciação ao novo EBI...
Apreciação ao novo “Estatuto do Bolseiro de Investigação” –
Lei nº. 40/2004)
O conhecimento do texto final do novo “Estatuto do Bolseiro de Investigação” (EBI) vem confirmar, no essencial, as considerações tecidas no último comunicado da ABIC, emitido aquando da aprovação do EBI na Asssembleia da República, no passado mês de Junho.
Não obstante a introdução de algumas alterações positivas ao anterior Estatuto (Dec-Lei 123/99), no seu conjunto, estas alterações revelam-se muito insuficientes, ficando aquém do que seria necessário para uma efectiva dignificação da condição de bolseiro de investigação científica.
Entretanto, convém não esquecer que a aprovação deste novo EBI representa indiscutivelmente um primeiro fruto do trabalho que ao longo dos últimos meses a ABIC tem desenvolvido em diversas frentes. A discussão dos principais problemas sentidos pelos bolseiros, o esclarecimento dos seus direitos, a sua mobilização em torno das propostas da ABIC e a apresentação destas propostas aos responsáveis políticos, forçou, pela primeira vez, a discussão pública desta temática, de que resultou a evidência de que algo teria que ser feito para resolver uma situação insustentável.
Se é verdade que o que foi feito, por agora, se revela insuficiente, não é menos verdade que se trata de um primeiro passo, que abre fundadas perspectivas para a consecução, num futuro que se deseja próximo, dos objectivos e aspirações dos bolseiros, assim prossiga e, se possível, cresça a nossa vontade, determinação e trabalho.
Alterações introduzidas ao Dec-lei 123/99 e sua apreciação
Artigo 1º. – Âmbito de aplicação
Uma alteração positiva é introduzida neste ponto.
Anteriormente o âmbito de aplicação do estatuto estava restringido aos bolseiros da FCT ou aos bolseiros de instituições com regulamentos de bolsas aprovados pela FCT, facto que excluía muitos bolseiros. Agora, o âmbito é substancialmente alargado passando o Estatuto a ser aplicável aos beneficiários de subsídios, atribuídos por entidades de natureza pública ou privada, retirando-se a disposição restritiva presente no anterior. Esta alteração vai de encontro a uma das reivindicações da ABIC: a de tornar “universal”, ou seja, aplicável a todos os bolseiros, o Estatuto do Bolseiro.
Artigo 2º. – Objecto
Aqui surge a primeira alteração negativa.
Relativamente ao estatuto anterior, as actividades que podem ser exercidas por bolseiros tornam-se aqui mais difusas, abrindo-se a porta a um mais vasto leque de actividades. Enquanto que no anterior se poderia ter uma bolsa para obtenção de um grau académico de pós-graduação ou para a prossecução, numa fase de formação, de actividades de apoio técnico à investigação ou de gestão de ciência e tecnologia, agora temos neste artigo três alíneas: a primeira (obtenção de grau académico) e a segunda (iniciação ou actualização a actividades de investigação científica, desenvolvimento tecnológico, experimentação ou transferência de tecnologia e de saber) poderão ser consideradas justificáveis e suficientes. A terceira alínea é claramente excessiva (Actividades de iniciação ou actualização de formação em qualquer área). Parece querer-se consagrar na lei uma prática claramente abusiva (e à luz do anterior estatuto, ilegal) levada a cabo em algumas instituições, nas quais são utilizados bolseiros para todo o tipo de tarefas possíveis, incluindo, por exemplo, trabalho administrativo e de secretariado. Estará isto relacionado com a anunciada intenção de atribuir milhares de bolsas para a administração pública? É o que parece.
Apesar disto, o segundo ponto deste artigo pode ser considerado positivo. A obrigação de definição do objecto e do plano de actividades (supõe-se que no contrato de bolsa), limita alguma arbitrariedade e poderá permitir algum controlo e fiscalização de abusos.
Artigo 3º. – Duração
A alteração efectuada é francamente negativa. Anteriormente todos os tipos de bolsa tinham a sua duração limitada. Neste EBI a limitação desaparece (excepto para as bolsas de mestrado e de doutoramento, sendo que estas últimas vêem a sua duração máxima reduzida de cinco para quatro anos), sendo remetida para os regulamentos de bolsa, que poderão ou não prever essa limitação. Esta medida irá permitir um ainda maior prolongamento no tempo da condição de bolseiro. A condição de bolseiro passa a poder prolongar-se no tempo indefinidamente.
A abolição dos limites impostos à duração das bolsas juntamente com o alargamento do seu objecto (previsto no artigo anterior) constituem graves e preocupantes alterações ao anterior estatuto. É verdade que com o dec-lei 123/99 já sucediam muitos abusos, tanto relativamente ao objecto das bolsas como relativamente ao prolongamento no tempo da condição de bolseiro, contudo esses abusos em face da legislação existente eram em muitos casos ilegais e noutros resultavam de alguma ambiguidade e/ou permissividade da lei. Com a aprovação deste novo estatuto, em vez de se procurar impedir os abusos que existiam, o que se faz é legitimá-los à luz da lei. Este facto é inaceitável e não pode deixar de ser veementemente denunciado.
Artigo 4º. – Natureza do vínculo
Mais uma alteração negativa.
À disposição semelhante a este artigo que existia no anterior estatuto (no artigo 8º., nº.5), suprimiu-se “ as bolsas não geram nem titulam relações de trabalho subordinado”, donde logicamente se supõe que os contratos de bolsa passam a poder gerar ou titular relações de trabalho subordinado. Junte-se mais esta alteração às duas anteriores e temos um perfeito desmentido da afirmação da ministra na conferência do emprego científico de que se procurou com a elaboração do novo estatuto “manter o espírito do bolseiro (...), manter os bolseiros que são bolseiros (doutoramentos e um ou outro pós-doc) – os outros não deverão ser bolseiros”. Curiosamente, nenhuma destas alterações foi então anunciada.
Artigo 5º. – Exercício de funções
O regime de dedicação exclusiva mantém-se aqui com as mesmas excepções já previstas no anterior estatuto (nº.3). A alteração surge no nº.4 que ainda assim não é muito significativa relativamente ao anterior, no que diz respeito ao tipo de actividades que se podem desenvolver (a última alínea do conjunto de excepções anteriormente previstas já acabava por permitir tudo o que este ponto vem agora permitir, em moldes senão idênticos pelo menos semelhantes). A diferença mais substancial diz respeito à eliminação do limite de horas semanais para funções docentes dos bolseiros, que neste estatuto desaparece.
Artigo 6º. – Regulamentos
Relativamente ao anterior estatuto são acrescentados alguns elementos que passam a ter que constar obrigatoriamente dos regulamentos de bolsa e dos anúncios da abertura do concurso de bolsa. Constitui uma alteração positiva.
Artigo 8º. – Contratos de bolsa
A introdução da figura dos contratos de bolsa no EBI (que no anterior não existia, o que existiam eram “termos de aceitação da bolsa”, embora já existissem alguns contratos, em algumas instituições, no âmbito de projectos) é positiva. Um contrato é diferente de um termo de aceitação de uma bolsa. Num contrato existem, desde logo, duas partes, tendo ambas direitos e deveres. No plano meramente formal ( e apenas nesse plano, com o valor – pouco – que isso tem...) será algo mais parecido com um contrato de trabalho.
É positivo que do contrato conste obrigatoriamente o plano de trabalhos a desenvolver pelo bolseiro, como positivo é igualmente o nº.2 deste artigo, que estipula o envio de cópia de todos os contratos de bolsa para a FCT afim de se constituir um registo nacional de bolseiros (uma reivindicação da ABIC).
Artigo 9º. – Direitos dos bolseiros
É neste domínio que são introduzidas as mais relevantes alterações positivas ao estatuto.
Na alínea e) do nº.1, acrescenta-se ao seguro contra acidentes pessoais da responsabilidade da entidade acolhedora ou financiadora – que já existia – as deslocações ao estrangeiro (que não se encontravam cobertas).
A alínea h) parece vir consagrar uma das principais reivindicações dos bolseiros: o direito a férias. A formulação é no entanto desastrosa (ou sabiamente perversa). Antes de mais, não se fala em férias, mas sim num período de descanso, que ficamos a saber que não pode exceder os 22 dias úteis. Que se quererá dizer com não pode exceder? Um dia de descanso não excede. Nem dois. A quantos afinal é que os bolseiros têm obrigatoriamente direito (como os restantes trabalhadores)? Nada é dito. Apenas sabemos que a 22 ou menos.
Por outro lado, não pode deixar de ser notado que numa altura em que as férias da generalidade dos trabalhadores são alargadas para 25 dias úteis (código do trabalho), apenas se prevejam para os bolseiros 22 dias por ano civil.
No nº.3 deste artigo surge aquela que é provavelmente a mais relevante alteração.ao anterior Estatuto O que antes só acontecia nas situações de maternidade, ou seja, suspender a actividade sem suspensão do pagamento da bolsa que é depois prolongada pelo tempo correspondente à interrupção de actividade, é agora alargado às situações de doença, paternidade, adopção, assistência a menores doentes, assistência a deficientes, assistência a filhos e assistência à família nas condições e pelos períodos estabelecidos na lei geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública.
Se bem que a redacção do ponto não seja absolutamente clara, esta é a interpretação que surge como mais lógica. A confirmar, no entanto.
Artigo 10º. – Segurança Social
Antes de mais, convém referir que é profundamente negativo que se mantenha um regime que desde a sua criação tem vindo a ser apontado pelos bolseiros como insuficiente, injusto e discriminatório. O direito à segurança social – um dos mais básicos e daqueles pelos quais os bolseiros mais se têm batido – continua sem ser convenientemente assegurado.
De referir que passam a estar cobertas pelo seguro social voluntário (ssv) as eventualidades de paternidade e adopção (que não estavam anteriormente).
De assinalar é também o facto, positivo, de se ter reduzido o período mínimo de duração da bolsa – para se poder beneficiar do ssv – de 12 para 6 meses, bem como a referência de que o enquadramento no ssv se reporta à data de início da bolsa.
Artigo 11º. – Acesso a cuidados de saúde
É talvez a maior incógnita deste EBI. Fala-se em algo de grande importância, a que os bolseiros são naturalmente muito sensíveis, para não se dizer absolutamente nada de substantivo a esse respeito.
Artigo 12º. – Deveres dos bolseiros
À disposição “cumprir as regras de funcionamento interno da entidade acolhedora” (que já se encontrava no anterior estatuto, levando muitas vezes, como nos mostrou a experiência de algumas instituições, a claros abusos, como seja a obrigatoriedade de os bolseiros “picarem o ponto”), é acrescentado “e as directrizes do orientador e coordenador”. Esta alteração deverá ser analisada em conjugação com a introduzida no artigo 4º. Também aqui, em lugar de se resolver problemas e abusos que existiam, agravam-se os mesmos.
Artigo 13º. – Entidade acolhedora
Neste artigo são introduzidas quatro alterações, sendo que três delas poderão ser consideradas como positivas.
No nº.1, alínea d) é acrescentada a obrigação da entidade acolhedora prestar, a todo o momento, a informação necessária, por forma a garantir ao bolseiro o conhecimento do seu estatuto.
No nº.2, todos os deveres da entidade acolhedora são alargados a outras eventuais entidades nas quais o bolseiro desenvolva parte da sua actividade (que frequentemente existem).
No nº.3 é estabelecido que a entidade financiadora é subsidiariamente responsável pelo pagamento da bolsa, o que, sendo justo (uma vez que também ela – e muitas vezes, sobretudo ela – beneficia do trabalho do bolseiro), dá também mais garantias ao bolseiro, face a eventuais situações de incumprimento/atrasos nos pagamentos da bolsa.
Neste artigo é igualmente incluída uma outra alteração: passa a caber também à entidade acolhedora proceder à avaliação do desempenho do bolseiro. Não sendo negativa em si mesma, dificilmente poderá, no entanto, ser enunciada nos termos lacónicos em que o é aqui. Como é feita essa avaliação do desempenho? Em que consistirá? Que efeitos produzirá?
Artigo 15º. – Núcleo do bolseiro
Constitui uma medida positiva, aproximando-se do bolseiro um recurso que ele só tinha na entidade financiadora (FCT). Pode-se prever, contudo, que venha a ser de difícil implementação.
Embora saibamos, infelizmente, a distância que muitas vezes vai da letra da lei à realidade (neste como noutros pontos), esta alteração deve ser considerada positiva.
Artigo 16º. – Painel Consultivo
O painel consultivo vem substituir a figura do auditor do bolseiro (que nunca chegou a sair do papel), sendo-lhe atribuídas competências – importantes – que anteriormente estavam atribuídas àquele.
Primeira nota: pode ser considerada positiva a substituição de uma única pessoa (o auditor) por um painel de três elementos, que integra um representante dos bolseiros.
Segunda nota: afigura-se irreal que um único painel possa exercer cabalmente as suas funções, acompanhando, como lhe compete, o desempenho de funções por parte do bolseiro (dos milhares de bolseiros que existem). Fica a dúvida: será mesmo um único painel para todos os bolseiros?
Provavelmente terá ter sido uma gralha, mas obviamente que é inadmissível (e caricato até) que havendo um representante dos bolseiros no painel (membro das organizações representativas dos bolseiros) este seja nomeado pelo ministro e não escolhido pelos próprios bolseiros.
Artigo 18º. – Sanções
São introduzidos dois pontos que poderão ser considerados positivos: o 1 (o incumprimento reiterado e grave por parte da entidade acolhedora implica a proibição de receber novos bolseiros, durante um período de um a dois anos), pela responsabilização da entidade acolhedora que introduz, e o 3 (não se considera incumprimento a desistência) que constitui um importante esclarecimento relativamente a algo que anteriormente estava omisso.
Apreciação ao novo “Estatuto do Bolseiro de Investigação” –
Lei nº. 40/2004)
O conhecimento do texto final do novo “Estatuto do Bolseiro de Investigação” (EBI) vem confirmar, no essencial, as considerações tecidas no último comunicado da ABIC, emitido aquando da aprovação do EBI na Asssembleia da República, no passado mês de Junho.
Não obstante a introdução de algumas alterações positivas ao anterior Estatuto (Dec-Lei 123/99), no seu conjunto, estas alterações revelam-se muito insuficientes, ficando aquém do que seria necessário para uma efectiva dignificação da condição de bolseiro de investigação científica.
Entretanto, convém não esquecer que a aprovação deste novo EBI representa indiscutivelmente um primeiro fruto do trabalho que ao longo dos últimos meses a ABIC tem desenvolvido em diversas frentes. A discussão dos principais problemas sentidos pelos bolseiros, o esclarecimento dos seus direitos, a sua mobilização em torno das propostas da ABIC e a apresentação destas propostas aos responsáveis políticos, forçou, pela primeira vez, a discussão pública desta temática, de que resultou a evidência de que algo teria que ser feito para resolver uma situação insustentável.
Se é verdade que o que foi feito, por agora, se revela insuficiente, não é menos verdade que se trata de um primeiro passo, que abre fundadas perspectivas para a consecução, num futuro que se deseja próximo, dos objectivos e aspirações dos bolseiros, assim prossiga e, se possível, cresça a nossa vontade, determinação e trabalho.
Alterações introduzidas ao Dec-lei 123/99 e sua apreciação
Artigo 1º. – Âmbito de aplicação
Uma alteração positiva é introduzida neste ponto.
Anteriormente o âmbito de aplicação do estatuto estava restringido aos bolseiros da FCT ou aos bolseiros de instituições com regulamentos de bolsas aprovados pela FCT, facto que excluía muitos bolseiros. Agora, o âmbito é substancialmente alargado passando o Estatuto a ser aplicável aos beneficiários de subsídios, atribuídos por entidades de natureza pública ou privada, retirando-se a disposição restritiva presente no anterior. Esta alteração vai de encontro a uma das reivindicações da ABIC: a de tornar “universal”, ou seja, aplicável a todos os bolseiros, o Estatuto do Bolseiro.
Artigo 2º. – Objecto
Aqui surge a primeira alteração negativa.
Relativamente ao estatuto anterior, as actividades que podem ser exercidas por bolseiros tornam-se aqui mais difusas, abrindo-se a porta a um mais vasto leque de actividades. Enquanto que no anterior se poderia ter uma bolsa para obtenção de um grau académico de pós-graduação ou para a prossecução, numa fase de formação, de actividades de apoio técnico à investigação ou de gestão de ciência e tecnologia, agora temos neste artigo três alíneas: a primeira (obtenção de grau académico) e a segunda (iniciação ou actualização a actividades de investigação científica, desenvolvimento tecnológico, experimentação ou transferência de tecnologia e de saber) poderão ser consideradas justificáveis e suficientes. A terceira alínea é claramente excessiva (Actividades de iniciação ou actualização de formação em qualquer área). Parece querer-se consagrar na lei uma prática claramente abusiva (e à luz do anterior estatuto, ilegal) levada a cabo em algumas instituições, nas quais são utilizados bolseiros para todo o tipo de tarefas possíveis, incluindo, por exemplo, trabalho administrativo e de secretariado. Estará isto relacionado com a anunciada intenção de atribuir milhares de bolsas para a administração pública? É o que parece.
Apesar disto, o segundo ponto deste artigo pode ser considerado positivo. A obrigação de definição do objecto e do plano de actividades (supõe-se que no contrato de bolsa), limita alguma arbitrariedade e poderá permitir algum controlo e fiscalização de abusos.
Artigo 3º. – Duração
A alteração efectuada é francamente negativa. Anteriormente todos os tipos de bolsa tinham a sua duração limitada. Neste EBI a limitação desaparece (excepto para as bolsas de mestrado e de doutoramento, sendo que estas últimas vêem a sua duração máxima reduzida de cinco para quatro anos), sendo remetida para os regulamentos de bolsa, que poderão ou não prever essa limitação. Esta medida irá permitir um ainda maior prolongamento no tempo da condição de bolseiro. A condição de bolseiro passa a poder prolongar-se no tempo indefinidamente.
A abolição dos limites impostos à duração das bolsas juntamente com o alargamento do seu objecto (previsto no artigo anterior) constituem graves e preocupantes alterações ao anterior estatuto. É verdade que com o dec-lei 123/99 já sucediam muitos abusos, tanto relativamente ao objecto das bolsas como relativamente ao prolongamento no tempo da condição de bolseiro, contudo esses abusos em face da legislação existente eram em muitos casos ilegais e noutros resultavam de alguma ambiguidade e/ou permissividade da lei. Com a aprovação deste novo estatuto, em vez de se procurar impedir os abusos que existiam, o que se faz é legitimá-los à luz da lei. Este facto é inaceitável e não pode deixar de ser veementemente denunciado.
Artigo 4º. – Natureza do vínculo
Mais uma alteração negativa.
À disposição semelhante a este artigo que existia no anterior estatuto (no artigo 8º., nº.5), suprimiu-se “ as bolsas não geram nem titulam relações de trabalho subordinado”, donde logicamente se supõe que os contratos de bolsa passam a poder gerar ou titular relações de trabalho subordinado. Junte-se mais esta alteração às duas anteriores e temos um perfeito desmentido da afirmação da ministra na conferência do emprego científico de que se procurou com a elaboração do novo estatuto “manter o espírito do bolseiro (...), manter os bolseiros que são bolseiros (doutoramentos e um ou outro pós-doc) – os outros não deverão ser bolseiros”. Curiosamente, nenhuma destas alterações foi então anunciada.
Artigo 5º. – Exercício de funções
O regime de dedicação exclusiva mantém-se aqui com as mesmas excepções já previstas no anterior estatuto (nº.3). A alteração surge no nº.4 que ainda assim não é muito significativa relativamente ao anterior, no que diz respeito ao tipo de actividades que se podem desenvolver (a última alínea do conjunto de excepções anteriormente previstas já acabava por permitir tudo o que este ponto vem agora permitir, em moldes senão idênticos pelo menos semelhantes). A diferença mais substancial diz respeito à eliminação do limite de horas semanais para funções docentes dos bolseiros, que neste estatuto desaparece.
Artigo 6º. – Regulamentos
Relativamente ao anterior estatuto são acrescentados alguns elementos que passam a ter que constar obrigatoriamente dos regulamentos de bolsa e dos anúncios da abertura do concurso de bolsa. Constitui uma alteração positiva.
Artigo 8º. – Contratos de bolsa
A introdução da figura dos contratos de bolsa no EBI (que no anterior não existia, o que existiam eram “termos de aceitação da bolsa”, embora já existissem alguns contratos, em algumas instituições, no âmbito de projectos) é positiva. Um contrato é diferente de um termo de aceitação de uma bolsa. Num contrato existem, desde logo, duas partes, tendo ambas direitos e deveres. No plano meramente formal ( e apenas nesse plano, com o valor – pouco – que isso tem...) será algo mais parecido com um contrato de trabalho.
É positivo que do contrato conste obrigatoriamente o plano de trabalhos a desenvolver pelo bolseiro, como positivo é igualmente o nº.2 deste artigo, que estipula o envio de cópia de todos os contratos de bolsa para a FCT afim de se constituir um registo nacional de bolseiros (uma reivindicação da ABIC).
Artigo 9º. – Direitos dos bolseiros
É neste domínio que são introduzidas as mais relevantes alterações positivas ao estatuto.
Na alínea e) do nº.1, acrescenta-se ao seguro contra acidentes pessoais da responsabilidade da entidade acolhedora ou financiadora – que já existia – as deslocações ao estrangeiro (que não se encontravam cobertas).
A alínea h) parece vir consagrar uma das principais reivindicações dos bolseiros: o direito a férias. A formulação é no entanto desastrosa (ou sabiamente perversa). Antes de mais, não se fala em férias, mas sim num período de descanso, que ficamos a saber que não pode exceder os 22 dias úteis. Que se quererá dizer com não pode exceder? Um dia de descanso não excede. Nem dois. A quantos afinal é que os bolseiros têm obrigatoriamente direito (como os restantes trabalhadores)? Nada é dito. Apenas sabemos que a 22 ou menos.
Por outro lado, não pode deixar de ser notado que numa altura em que as férias da generalidade dos trabalhadores são alargadas para 25 dias úteis (código do trabalho), apenas se prevejam para os bolseiros 22 dias por ano civil.
No nº.3 deste artigo surge aquela que é provavelmente a mais relevante alteração.ao anterior Estatuto O que antes só acontecia nas situações de maternidade, ou seja, suspender a actividade sem suspensão do pagamento da bolsa que é depois prolongada pelo tempo correspondente à interrupção de actividade, é agora alargado às situações de doença, paternidade, adopção, assistência a menores doentes, assistência a deficientes, assistência a filhos e assistência à família nas condições e pelos períodos estabelecidos na lei geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública.
Se bem que a redacção do ponto não seja absolutamente clara, esta é a interpretação que surge como mais lógica. A confirmar, no entanto.
Artigo 10º. – Segurança Social
Antes de mais, convém referir que é profundamente negativo que se mantenha um regime que desde a sua criação tem vindo a ser apontado pelos bolseiros como insuficiente, injusto e discriminatório. O direito à segurança social – um dos mais básicos e daqueles pelos quais os bolseiros mais se têm batido – continua sem ser convenientemente assegurado.
De referir que passam a estar cobertas pelo seguro social voluntário (ssv) as eventualidades de paternidade e adopção (que não estavam anteriormente).
De assinalar é também o facto, positivo, de se ter reduzido o período mínimo de duração da bolsa – para se poder beneficiar do ssv – de 12 para 6 meses, bem como a referência de que o enquadramento no ssv se reporta à data de início da bolsa.
Artigo 11º. – Acesso a cuidados de saúde
É talvez a maior incógnita deste EBI. Fala-se em algo de grande importância, a que os bolseiros são naturalmente muito sensíveis, para não se dizer absolutamente nada de substantivo a esse respeito.
Artigo 12º. – Deveres dos bolseiros
À disposição “cumprir as regras de funcionamento interno da entidade acolhedora” (que já se encontrava no anterior estatuto, levando muitas vezes, como nos mostrou a experiência de algumas instituições, a claros abusos, como seja a obrigatoriedade de os bolseiros “picarem o ponto”), é acrescentado “e as directrizes do orientador e coordenador”. Esta alteração deverá ser analisada em conjugação com a introduzida no artigo 4º. Também aqui, em lugar de se resolver problemas e abusos que existiam, agravam-se os mesmos.
Artigo 13º. – Entidade acolhedora
Neste artigo são introduzidas quatro alterações, sendo que três delas poderão ser consideradas como positivas.
No nº.1, alínea d) é acrescentada a obrigação da entidade acolhedora prestar, a todo o momento, a informação necessária, por forma a garantir ao bolseiro o conhecimento do seu estatuto.
No nº.2, todos os deveres da entidade acolhedora são alargados a outras eventuais entidades nas quais o bolseiro desenvolva parte da sua actividade (que frequentemente existem).
No nº.3 é estabelecido que a entidade financiadora é subsidiariamente responsável pelo pagamento da bolsa, o que, sendo justo (uma vez que também ela – e muitas vezes, sobretudo ela – beneficia do trabalho do bolseiro), dá também mais garantias ao bolseiro, face a eventuais situações de incumprimento/atrasos nos pagamentos da bolsa.
Neste artigo é igualmente incluída uma outra alteração: passa a caber também à entidade acolhedora proceder à avaliação do desempenho do bolseiro. Não sendo negativa em si mesma, dificilmente poderá, no entanto, ser enunciada nos termos lacónicos em que o é aqui. Como é feita essa avaliação do desempenho? Em que consistirá? Que efeitos produzirá?
Artigo 15º. – Núcleo do bolseiro
Constitui uma medida positiva, aproximando-se do bolseiro um recurso que ele só tinha na entidade financiadora (FCT). Pode-se prever, contudo, que venha a ser de difícil implementação.
Embora saibamos, infelizmente, a distância que muitas vezes vai da letra da lei à realidade (neste como noutros pontos), esta alteração deve ser considerada positiva.
Artigo 16º. – Painel Consultivo
O painel consultivo vem substituir a figura do auditor do bolseiro (que nunca chegou a sair do papel), sendo-lhe atribuídas competências – importantes – que anteriormente estavam atribuídas àquele.
Primeira nota: pode ser considerada positiva a substituição de uma única pessoa (o auditor) por um painel de três elementos, que integra um representante dos bolseiros.
Segunda nota: afigura-se irreal que um único painel possa exercer cabalmente as suas funções, acompanhando, como lhe compete, o desempenho de funções por parte do bolseiro (dos milhares de bolseiros que existem). Fica a dúvida: será mesmo um único painel para todos os bolseiros?
Provavelmente terá ter sido uma gralha, mas obviamente que é inadmissível (e caricato até) que havendo um representante dos bolseiros no painel (membro das organizações representativas dos bolseiros) este seja nomeado pelo ministro e não escolhido pelos próprios bolseiros.
Artigo 18º. – Sanções
São introduzidos dois pontos que poderão ser considerados positivos: o 1 (o incumprimento reiterado e grave por parte da entidade acolhedora implica a proibição de receber novos bolseiros, durante um período de um a dois anos), pela responsabilização da entidade acolhedora que introduz, e o 3 (não se considera incumprimento a desistência) que constitui um importante esclarecimento relativamente a algo que anteriormente estava omisso.
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Uma versão actualizada pode ser lida em http://www.bolseiros.org/pdfs/Estatuto_Comentado.pdf
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