Pela leitura da secção inicial e pelo aproveitamento mediático que a FCT tem procurado obter de algumas das suas conclusões, parece-me que o estudo enferma de um grave erro de princípio e temo que a sua divulgação tenha sido feita pelos piores motivos.
O erro de princípio a que me refiro é este: as diferenças de enquadramento que serviram de critérios de exclusão do estudo parecem ter deixado de fora um número demasiado importante de instituições/bolsas de investigação. Mais ainda, esse número parece-me tanto mais significativo, quanto deveriam ter sido precisamente aquelas diferenças de enquadramento o alvo de estudo comparativo, dada a sua relevância para uma melhor compreensão das diferentes políticas científicas europeias e, consequentemente, para a definição de uma melhor política científica nacional pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
Antes de mais se, como se pode ler no estudo, a FCT «tem como missão promover continuadamente o avanço do conhecimento científico e tecnológico» e procura «atingir os mais elevados padrões internacionais de criação de conhecimento», nomeadamente através do financiamento de «bolsas, projectos e instituições de investigação científica», então a FCT não se poderia contentar com o âmbito absurdamente restrito do universo considerado.
De facto, é por si só extremamente significativo que, da organização de 27 países em que se integra Portugal, e que serve de referência para o desenvolvimento de políticas de I&D[1], apenas tenham sido consideradas, para além da FCT, 11 instituições públicas de 9 países (as outras 5 instituições consideradas são dos EUA, do Canadá, da Noruega e da Suíça), e que, de todas estas, para o estudo comparativo do valor das bolsas, apenas tenham sido tidas em conta, por indicação da FCT, 6 Bolsas de Doutoramento e 6 de Pós-Doutoramento. Contas feitas, compararam-se as BD e as BPD atribuídas pela FCT a bolsas atribuídas em apenas 4 outros países europeus (no caso das BDP, apenas outros 3 países)[2].
Para se ter uma ideia mais precisa do quão reduzido é o universo considerado no estudo, basta ter-se em conta que só a EUROHORCs[3], reúne instituições de 23 países europeus e que muitos destes países estão representados nessa organização por mais do que uma instituição promotora da investigação científica[4].
Se a estas instituições acrescentarmos as universidades e as empresas que financiam os seus próprios programas de investigação, percebe-se que a realidade da investigação europeia e das bolsas de investigação científicas atribuídas por instituições que a FCT excluiu do estudo é, muito provavelmente, demasiado importante para ser ignorada.
É claro que, do ponto de vista metodológico, se o objectivo é apenas comparar instituições e as respectivas bolsas, faz todo o sentido que apenas se comparem instituições/bolsas muito semelhantes. Mas não se percebe muito bem qual a utilidade de um tal estudo comparativo.
De facto, de que serve para a definição da política científica do Ministério da Ciência e da Educação ou da FCT chegar-se, por exemplo, à conclusão que o número e os montantes das bolsas atribuídas pela FCT são superiores ao número e aos montantes das BD e BPD atribuídas pelo Deutsche Forschungsemeinschaft – DFG ou pela Max Planck Society da Alemanha, se nada nos é dito sobre as restantes bolsas ou formas de apoio à investigação científica dessas instituições, sobre outras instituições como a Helmholtz Association[5] ou a Fraunhofer-Gesellschaft[6], e os respectivos programas de apoio à investigação científica, ou, ainda sobre as bolsas e programas de investigação de universidades públicas e particulares?
A grande questão é pois a de saber que instituições europeias e que tipo de bolsas por elas atribuídas foram excluídas do estudo. Isto porque as características e os valores das bolsas consideradas são provavelmente o que são, precisamente devido ao enquadramento de todas as outras bolsas excluídas do estudo. Por outras palavras, são precisamente as diferenças de enquadramento institucional das bolsas de investigação científica nos diferentes países da EU-27 que mais interessaria analisar e comparar. Só ignorando estas diferenças é que se pode pretender que o número e os montantes das bolsas atribuídas pela FCT, coloquem Portugal, como se podia ler num artigo do jornal Público, «no pelotão da frente».
Senão vejam-se algumas das principais diferenças de enquadramento/características comuns que justificaram as exclusões/inclusões das BD e das BPD seleccionadas no estudo:
1) o peso dos diferentes Estados/instituições públicas no financiamento de doutoramentos e/ou pós-doutoramentos – o que significa que não se contabilizaram nem o número, nem os valores das restantes bolsas, como por exemplo as de instituições particulares como fundações, empresas ou universidades;
2) o número de bolsas atribuídas pelas instituições consideradas congéneres pela FCT – o que, uma vez mais, dado o número de instituições/bolsas excluídas, nada nos diz sobre o número de bolsas de investigação científica atribuídas em cada país;
3) o tipo de vínculo contratual estabelecido com os bolseiros – o que exclui as formas de financiamento à formação/investigação com recurso a regimes de contratos de trabalho, que, como o próprio estudo admite, são muito mais adoptadas pelas instituições congéneres da FCT não consideradas no estudo.
Enfim, é quase como se se afirmasse que o número e o valor das bolsas atribuídas pela FCT é o mais elevado, se exceptuarmos todas as outras…
As restantes diferenças de enquadramento prendem-se com outros tantos factores que, em vez de servirem de critérios de exclusão do estudo, deveriam ser analisados como factores importantes na comparação das diferentes políticas científicas: o desenvolvimento das economias nacionais e o desenvolvimento científico e tecnológico dos respectivos tecidos empresariais; a diferente apetência cultural (mas também económica…) para recorrer a empréstimos para financiar a formação científica individual e os distintos regimes de Segurança Social.
Excluindo-se todos estas «diferenças de enquadramento», que relevância poderá ter a comparação entre as bolsas atribuídas pela FCT e as atribuídas pelo Deutsche Forschungsemeinschaft – DFG ou pela Max Planck Society da Alemanha quando, por exemplo, o número de doutorados por cem mil habitantes é em Portugal menos de metade do que na Alemanha? Que ilações práticas se pretenderá tirar daquela aparente vantagem de Portugal sobre a Alemanha quando a percentagem de trabalhadores altamente qualificados na população activa do nosso país é 6% inferior à da Alemanha e a relação entre número de novos doutorados e o de outros graduados é de 1 para 51 em Portugal, ao passo que é de 1 para 7 na Alemanha ?
Que utilidade poderá ter um estudo comparativo destes, quando até Espanha, o único país em que, para além da Alemanha, o valor das bolsas é inferior à média das bolsas consideradas pelo estudo da FCT (e um dos poucos países da Europa Ocidental que, segundo o painel de acompanhamento da inovação da UE-25, encontrava-se em 2006 entre o grupo de países «loosing ground»), apresenta indicadores de I&D francamente superiores aos de Portugal?
Será que se pretende afirmar que o número e o valor das bolsas de investigação científica em Portugal são já suficientemente elevados?
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[1] Ainda em 2004, a União Europeia reiterou oficialmente o objectivo estratégico de converter a sua economia «na economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, antes de 2010», através de políticas de resposta às necessidades da sociedade da informação e da investigação e desenvolvimento (numa estratégia que ficaria, ironicamente, conhecida como «Estratégia de Lisboa»).
[2] Note-se, de passagem, que se trata quase sempre das bolsas das mesmas países/instituições, nomeadamente a Deutsche Forschungsemeinschaft – DFG, a Max Planck Society (ambas da Alemanha) e o Ministerio de Educación Y Ciencia (Espanha), o que parece confirmar a rigidez do perfil institucional e das características dos programas de Doutoramento e de Pós-Doc definidos pela FCT como sendo suficientemente próximos das suas próprias características para poderem ser incluídas no estudo.
[3] European Heads of Research Councils – a «instituição de âmbito europeu que reúne as diferentes instituições públicas que promovem, financiam e efectuam investigação na Europa», e que foram consideradas como instituições congéneres da FCT, por indicação da própria FCT).
[4] Bélgica, 2 instituições; França, 6; Alemanha, 4; Irlanda, 2; Itália, 3; Países Baixos, 2 e Reino Unido, 6.
[5] Uma associação alemã que reúne 15 centros de investigação, com cerca de 26.500 trabalhadores e um orçamento anual de cerca de 2.3 biliões de euros em que apenas 63% são garantidos pelas autoridades federais, sendo 7% financiados pelos Länder e os restantes 30% garantidos através de contratos com a indústria e serviços.
[6] Uma sociedade que promove a investigação aplicada, com cerca de 13.000 trabalhadores e um orçamento anual de 1.3 biliões de euros.
Comentário ao estudo da FCT
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