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Qual será a pertinência de uma greve de bolseiros? parte II

Enviado: terça dez 20, 2005 7:12 pm
por António Fernandes
Meus caros colegas

A situação é séria. O desinvestimento da parte do Estado em Ciência e Tecnologia atinge-nos há já 3 anos, e a fazer fé no actual estado de coisas, o Plano Tecnológico poderá ser uma tábua de salvação demasiado estreita para que possamos salvar a maioria dos bolseiros (se é que salvará algum...). A extrema dependência dos bolseiros por fundos públicos faz com que sejamos sempre alvo de adiamentos e constrangimentos, o que já ultrapassa a razoabilidade. O Ministério continua a ignorar as iniciativas dos bolseiros, continuam a existir situações graves de desrespeito por parte das instituições de investigação, e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia continua a funcionar de modo autista, preferindo ignorar em vez de actuar.

Em função disto, propus no passado à discussão a possibilidade de um movimento bolseiro poder utilizar uma arma de luta que é vulgarmente utlizada no âmbito das lutas laborais - a greve. Tanto quanto sei, é um mecanismo que não está previsto no EBIC, mas é o próprio EBIC que não consagra a actividade de bolseiro a um "trabalho" efectivo. É o vício do sistema contra o qual considero ser fundamental lutar, pois é a base de toda a situação actual.

Quando falei de greve na primeira edição deste forum, obviamente tomei consciência de que muitos colegas se opuseram pelo facto das poucas repercussões que se esperam: uma greve dos trabalhadores dos transportes prejudica os passageiros e assim permitie visibilidade social; uma greve dos bolseiros, prejudica os bolseiros. Sim, de facto é verdade, mas será que não prejudica os seus orientadores, os centros, as universidades, e em última análise, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior? E será que não compromete também a imagem internacional do país no exterior? Será que uma greve dos bolseiros não poderá ter um papel catalizador na mudança do panorama da investigação portuguesa?

Lembrem-se do que se passou em França há cerca de 2 anos, quando os orientadores e os chefes dos laboratórios apresentaram as suas demissões e paralisaram o sistema científico francês, devido à deterioração das condições financeiras do funcionamento dos seus espaços. Muitos se solidarizaram, bolseiros incluídos. E qual foi a imagem que transpareceu? Que era uma luta justa, digna, e que beneficiava todos os envolvidos na ciência gaulesa.

O que acham?

Enviado: quarta fev 22, 2006 8:59 pm
por António Fernandes
Será que eu tenho de oferecer prémios para que as pessoas discutam uma ideia? "Dão-se alvíssaras a quem opinar no site da ABIC"? Ou será melhor oferecer despertadores?

Enviado: quinta fev 23, 2006 6:23 pm
por moongirl
:-) depois da forma ofensiva como te exprimiste no primeiro round desta discussão poucos terão vontade de vir aqui. Alem que o assunto ficou meio esgotado, não?

Moon,

Re: Qual será a pertinência de uma greve de bolseiros? parte

Enviado: sexta fev 24, 2006 10:25 am
por Sportinguista
Como eu não dei opinião da primeira vez (houve isso?), aqui fica:
António Fernandes Escreveu:uma greve dos trabalhadores dos transportes prejudica os passageiros e assim permitie visibilidade social; uma greve dos bolseiros, prejudica os bolseiros.
Concordo
António Fernandes Escreveu:será que não prejudica os seus orientadores, os centros, as universidades, e em última análise, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior?
Nem por isso, pois essa greve não vai interferir com o vencimento das ditas pessoas...

Greve talvez nao...

Enviado: sexta fev 24, 2006 3:39 pm
por Paulo J. N. Silva
Parece-me que se anda a preparar algo mas nao tenho ainda a certeza. Talvez greve nao seja a palavra correcta, talvez seja mais uma accao para demonstrar que basta de conversa por parte da tutela, e que e preciso accao. E que muitos de nos somos abusados no local de trabalho, na nossa dignidade, dedicacao e empenhamento. Parece-me que se conseguirmos transmitir esta ideia, podemos ganhar o publico em geral para o nosso lado.

Pois e necessario que este estado de coisas se mude, e nao se chame "emprego cientifico" a bolsas, como alguns responsaveis politicos querem insinuar.

Enviado: sexta fev 24, 2006 5:44 pm
por Alfredo Baptista
Olá, Moon

Ok, no primeiro round excedi-me em função de posições menos elegantes da parte de um outro participante. Mas tudo se sana...

Não, o assunto não ficou esgotado, a avaliar pelo que o Paulo Silva aqui disse. E o amigo Sportinguista também não teve oportunidade de participar no primeiro round, pelo que pode agora emitir a sua opinião. Mas esse clube faz-me um bocadinho de alergia... Estou a brincar, obviamente (é melhor dizer bem alto a toda a gente quando se está a brincar neste espaço, porque depois somos mal-entendidos e acusados de desrespeito).

Quando eu falo de greve não digo que os bolseiros possam desaparecer uns dias do seu local de investigação, como fazem os médicos, que marcam greves para prolongar férias ou fazer fins de semana prolongados. A greve por exemplo, pode passar pelos bolseiros de doutoramento se recusarem a trabalhar em outros projectos paralelos que os seus orientadores inventem; pode passar por se recusarem a orientar alunos dos seus orientadores; pode passar por se recusarem a exercer outras funções nos laboratórios. Pode significar também dirigirem-se ao local de trabalho sem exercer qualquer actividade. Fazer greve, no meu entender, não é ficar em casa, a ver televisão.

Há muitas alternativas credíveis que caem na definição de greve, mas se não houver vontade em aplicar medidas deste estilo, não se consegue forçar o sistema a mudar um estado de coisas que só o beneficia, prejudicando os bolseiros.

Isto é o que eu acho, e estou à disposição dos vossos comentários. Para os habitués do bota-abaixo, cá estou também, quanto mais não seja para me divertir com a defesa do estaticismo.

Bem haja e boas opiniões

Enviado: sábado fev 25, 2006 12:44 am
por Sportinguista
Alfredo Baptista Escreveu:A greve por exemplo, pode passar pelos bolseiros de doutoramento se recusarem a trabalhar em outros projectos paralelos que os seus orientadores inventem; pode passar por se recusarem a orientar alunos dos seus orientadores; pode passar por se recusarem a exercer outras funções nos laboratórios. Pode significar também dirigirem-se ao local de trabalho sem exercer qualquer actividade. Fazer greve, no meu entender, não é ficar em casa, a ver televisão.
Tenho que dizer que com isso concordo... Não no meu caso, mas conheço uma pessoa que põe os alunos de MESTRADO a dar assessoria nas aulas, e até a vigiar os alunos de licenciatura quando estes estão no laboratório (ou seja, acabou a aula, agora vão o resto do tempo para o laboratório estudar que tal pessoa está lá à vossa espera para garantir que estudam mesmo)... Um verdadeiro abuso, mas quem cala consente... :roll:

Enviado: sábado fev 25, 2006 5:00 am
por vortex
Na minha opinião, os bolseiros também têm alguma culpa na maneira como são tratados. Também não são muito unidos na luta para a melhoria das coisas e isso pode-se ver facilmente neste site.
O mais importante é os bolseiros reconhecerem o seu valor e, quando acharem que certas situações são um abuso, devem-se impor. Se todos fizerem isso, as coisas serão mais fáceis para os futuros bolseiros e investigadores.

Enviado: domingo fev 26, 2006 10:56 am
por moongirl
Alfredo Baptista Escreveu:Olá, Moon

Ok, no primeiro round excedi-me em função de posições menos elegantes da parte de um outro participante. Mas tudo se sana...
Agora fiquei confusa :roll: :roll: :roll:
vortex Escreveu:Na minha opinião, os bolseiros também têm alguma culpa na maneira como são tratados. Também não são muito unidos na luta para a melhoria das coisas e isso pode-se ver facilmente neste site.
O mais importante é os bolseiros reconhecerem o seu valor e, quando acharem que certas situações são um abuso, devem-se impor. Se todos fizerem isso, as coisas serão mais fáceis para os futuros bolseiros e investigadores.
Concordo totalmente. A situação não é boa e andármos aos tiros uns aos outros ainda torna pior.

Moon,

Bertold Brecht

Enviado: domingo fev 26, 2006 5:50 pm
por Paulo J. N. Silva
moongirl Escreveu:
Concordo totalmente. A situação não é boa e andármos aos tiros uns aos outros ainda torna pior.

Moon,
Ola Moon,

Ninguem pode estar bem com Deus e com o Diabo. Dito de outra forma, nao vejo que tenhamos todos que ter a mesma opiniao. E muita gente tende a usar uma filosofia em que o poema de Brecht cai que nem uma luva, nao consegui encontrar o poema em Portugues

PRIMERO COGIERON...

Primero cogieron a los comunistas,
y yo no dije nada por que yo no era un comunista.
Luego se llevaron a los judíos,
y no dije nada porque yo no era un judío.
Luego vinieron por los obreros,
y no dije nada porque no era ni obrero ni sindicalista.
Luego se metieron con los católicos,
y no dije nada porque yo era protestante.
Y cuando finalmente vinieron por mí,
no quedaba nadie para protestar.

(Bertolt Brecht)

Enviado: domingo fev 26, 2006 11:43 pm
por vortex
Recuso-me a ler um poema em espanhol. :lol:

Penso que o principal problema é que a investigação não é considerada uma carreira. Por isso, em vez de melhorar as condições actuais, os bolseiros estão mais preocupados com avançar para uma actividade com futuro. É por esta razão que eu acho que os bolseiros participam pouco neste forum.

Não existe carreira, porque a maioria dos projectos de investigação são "interessantes" enquanto tiverem apoio financeiro. A maioria dos projectos podem-se virar de cabeça para baixo e sacudir que não sai nada. Mais do que por em questão a reputação dos investigadores que já li neste forum, eu ponho em questão a reputação dos ditos projectos.

Na minha opinião, há que criar um sistema que é financiado pelos próprios resultados dos projectos de investigação. Claro que numa primeira fase teria de ser financiado por outros programas, mas depois deveria ser mais ou menos auto-suficiente. Deve-se exigir que resulte algo com aplicação comercial/industrial. Pode ser que com o MIT isso aconteça, pois eles têm uma boa reputação a defender e não podem andar a brincar à investigação.

Enviado: segunda fev 27, 2006 1:51 am
por aragorn
vortex Escreveu: (...)
Mais do que por em questão a reputação dos investigadores que já li neste forum, eu ponho em questão a reputação dos ditos projectos.
Isso não faz muito sentido pois não? Os projectos não são entidades autónomas dos investigadores que os propõem.
vortex Escreveu: (...)
Na minha opinião, há que criar um sistema que é financiado pelos próprios resultados dos projectos de investigação. Claro que numa primeira fase teria de ser financiado por outros programas, mas depois deveria ser mais ou menos auto-suficiente.
Portanto, tu estás a reivindicar um desinvestimento público na investigação?
Deve-se exigir que resulte algo com aplicação comercial/industrial.
A investigação aplicada é um escadote que se coloca em cima de uma montanha de investigação fundamental. Se pensassemos apenas em aplicações teriamos todos os tipos de velas fantásticas mas não haveria luz electrica.

De qualquer forma parece-me que esta discussão é algo parelala e remotamente relacionada com o tema deste tópico.
Pode ser que com o MIT isso aconteça, pois eles têm uma boa reputação a defender e não podem andar a brincar à investigação.
Nem andam a brincar na hora de cobrar propinas, nomeadamente de doutoramento.

Enviado: segunda fev 27, 2006 2:19 am
por aragorn
Alfredo Baptista Escreveu:Olá, Moon

Ok, no primeiro round excedi-me em função de posições menos elegantes da parte de um outro participante. Mas tudo se sana...
Também estou confuso... não me lembro de te ver excederes-te no primeiro round deste assunto meu caro... Alfredo Fernandes?

Re: Bertold Brecht

Enviado: segunda fev 27, 2006 9:40 am
por moongirl
Paulo J. N. Silva Escreveu:
Ninguem pode estar bem com Deus e com o Diabo. Dito de outra forma, nao vejo que tenhamos todos que ter a mesma opiniao.
Não vejo onde disse que deveriamos ter a mesma opinião :roll:
Falei em andar aos tiros uns aos outros e concordei em não pactuar com situações de abuso. Discordas?

Moon,
P.S: bonito poema :wink:

Enviado: segunda fev 27, 2006 10:20 am
por Sportinguista
vortex Escreveu: Deve-se exigir que resulte algo com aplicação comercial/industrial.
Se fossemos ver as coisas por esse nível então ainda estávamos na idade da pedra.
Por exemplo, os que estão a construir um PC baseado no sentido de rotação das partículas sub-atómicas, segundo a tua opinião, deveriam ter os fundos cortados, pois aquilo só dentro de talvez uma década é que estará suficientemente desenvolvido para se começarem a fabricar em larga escala...
Por detrás de cada sucesso há inúmeros falhanços, mas se não fossem esses falhanços não se teria aprendido e ultrapassado essas dificuldades... :roll:

Enviado: segunda fev 27, 2006 11:53 am
por alexandra rosa
aragorn Escreveu:
Alfredo Baptista Escreveu:Olá, Moon

Ok, no primeiro round excedi-me em função de posições menos elegantes da parte de um outro participante. Mas tudo se sana...
Também estou confuso... não me lembro de te ver excederes-te no primeiro round deste assunto meu caro... Alfredo Fernandes?
Também estou confusa. Afinal António Fernandes e Alfredo Baptista são a mesma pessoa?

Quanto à "greve" que propões parece-me mais uma proposta de boa prática do que de greve. Boa prática que todas as pessoas deveriam aplicar na sua vida, dizer não quando acham que estão a ser abusadas. Boa prática que, pelo que contas enquanto Alfredo Baltista, não tiveste a coragem de aplicar enquanto eras bolseiro.
Citas o movimento em França. Meu caro, esse movimento foi liderado pelos "chefes", foram os líderes dos laboratórios (2000 se bem me recordo) que se despediram porque consideravam que não tinham condições para fazer ciência. Agora, pelo que contas, és chefe. Então que tal começares por aí?

Enviado: segunda fev 27, 2006 7:05 pm
por Alfredo Baptista
Eu acho que nunca se poderá ter uma discussão em torno de ciência boa/ ciência má, ou ciência rentabilizável/ciência não rentabilizável. O que é bom, independentemente da sua área, pega de estaca. O que é mau, teoricamente, deve ser levado pelas circunstâncias. O que se passa é que, caso reparem com cuidado, que o Estado coloca nas mãos de pessoas muito pouco recomendáveis um conjunto enorme de verbas para que administrem, e não controla o destino final desse dinheiro, nem tão-pouco se os objectivos iniciais propostos foram atingudos ou não, Isto já para não discutir a questão dos próprios objectivos: publicar é academicamente interessante, mas redundante num projecto de trasnferência de tecnologia...

Onde eu quero chegar é ao seguinte: fundos públicos, sejam eles para projectos aplicados ou de ciência fundamental (e ambos são válidos, acreditem) têm de ser controlados exaustivamente, e as activifdades de orientação também, de modo a impedir esta situação que um amigo meu definiu há uns meses como a "escravatura de luxo do século XXI".

Enviado: segunda fev 27, 2006 7:51 pm
por Alfredo Baptista
Alexandra

Não tenho pachorra para lidar com provocações das que costumas lançar aqui. Se queres discutir, discutimos. Se queres desconversar, como me parece que é mais o teu estilo, desconversas sozinha. E falas de coragem? Gostava de te conhecer em pessoa, gostava, por que pelos vistos conheces-me muito bem. Pelo menos falas como tal. E "chefe"? O sentido pejorativo que as "massas oprimidas" atribuem a chefe...

Agora é a ti que te digo que vires mandar umas postas a uns foruns é fácil.

Enviado: segunda fev 27, 2006 10:04 pm
por aragorn
Alfredo Baptista Escreveu:Alexandra
(...)
Gostava de te conhecer
Isto foi o momento mais romântico de sempre no forum...
O sentido pejorativo que as "massas oprimidas" atribuem a chefe...
Às vezes a ler os relatos do teu doutoramento também fico com a ideia de que atribues um certo sentido pejorativo à palavra "chefe"...

Enviado: segunda fev 27, 2006 11:12 pm
por Alfredo Baptista
Eu não atribuo significado pejorativo nenhum aos chefes, a não ser à "minha" chefe... e a uns poucos como ela.

Gostei que lesses o que escrevo, obrigado, e que tenhas reparado nos meus longos relatos. Afinal, é para isso que aqui estamos todos, não, para trocar experiências, discutir assuntos, trazer novos conceitos? Pelo menos para a maioria, bem entendido. Os outros, enfim... tem de se dar o desconto.

Para isso e para conhecer pessoas, que o conhecimento não é remoer frustrações. Sou uma pessoa muito feliz, e sou-o ainda mais desde que comecei a escrever aqui... :D E o que é a vida se não formos românticos, caro Aragorn? Se não formos bolseiros? Se não formos idealistas? :D Se passarmos a chefes, perdemos toda esta luz, esta poesia, esta dedicação, perdemos a inocência, transformamo-nos em moscas da fruta, viciosos, virulentos... ou no Tio Patinhas, quiçá, caduco, odioso... :D

Até nem costumo usar estes smileys (são um bocado pirosos), mas estão mesmo a jeito...

Não achas?