O problema do financiamento de actividades cientificas
Enviado: terça abr 17, 2007 4:07 pm
Em resposta ao email que recebi da parte da ABIC sobre a o cartaz a ser afixado a propósito do "trabalho científico", escrevi o seguinte:
Caros colegas,
Gostava de expressar a minha opinião sobre esta iniciativa. Julgo que dada a minha experiência como bolseiro de investigação científica e agora como bolseiro de gestão científica, posso contribuir para esta discussão.
Lamento ir contra a corrente geral da ABIC, mas julgo que se está a cometer um erro grave. Não é possível encarar a actividade de investigação científica do mesmo modo que se encaram outras actividades económicas por uma simples razão: a actividade científica não é uma actividade económica - não gera riqueza, o que faz é gerar conhecimento e permitir, eventualmente, aplicações industriais. O aproveitamento dessas aplicações industriais (geralmente por engenheiros, ou "cientistas aplicados") é que gera dinheiro e isso sim pode ser encarado como uma actividade económica (estou a pensar, por exemplo, nos spin-offs universitários e na contratação de peritos pela industria)
Portanto ao falar-se em "trabalho científico" transmite-se a mensagem implicita de que a actividade científica é um actividade económica e que deve ser tratada como tal. Isto é um erro.
O problema do financiamento das actividades científicas é um problema internacional, não afecta só Portugal, afecta toda a Europa e outros países. E é um problema muito grave, que nos devia preocupar a serio (a mim preocupa). Como financiar uma actividade que não é económica, que não gera riqueza, mas que ao mesmo tempo serve de alicerce para algumas actividades económicas? A solução mais óbvia (mas extremamente difícil de implementar) consiste em atrair o investimento do sector privado (a tal meta dos 2/3 de investimento privado é ridiculamente ambiciosa, mas revela o sobre-investimento do sector publico).
Há 50 anos este problema não se colocava porque os avanços científicos tinham uma correlação tecnológica forte, que foi diminuindo ao longo das décadas (saliento os exemplos que me são mais familiares da física nuclear e física do estado sólido), e haviam muito menos investigadores e bolseiros.
Criar contratos de emprego nesta situação de insustentabilidade económica é ingénuo (pior, isso pode ser o colapso completo do sistema de financiamento da investigação cientifica). O que falta em Portugal, mas existe na Europa (Programas Quadro http://cordis.europa.eu/en/home.html), é um plano de investigação nacional com metas bem definidas e financiamentos bem investidos. Isto é apenas um pequeno gesto no sentido de resolver o problema, que como digo é mais complexo do que alguns parecem entender. Em Portugal ninguem sabe o que deve ser investigado a uma escala nacional e não se sabe como envolver as empresas nos projectos de investigação. Pelo que, a menos que se descubram modos de aliciar o investimento privado e/ou de racionalizar as estruturas e os projectos de investigação, é ridículo fazer exigências como essa de querer converter bolsas em contratos de emprego. Ridículo, ingénuo e irresponsável. Teríamos investigadores profissionais a trabalharem não se sabe em quê, com o Estado a financiá-los cegamente (estou a pensar no peer review da FCT, sim!). É isso que queremos? Eu gostava muito de ter carreira de investigador, mas para investigar o QUÊ? Quem me vai pagar? O Estado que ameaça não ter dinheiro para sustentar o sistema de segurança social?
O facto de termos bolseiros a executar tarefas de investigação permanentes (e outras actividades não-científicas relacionadas com as instituições de investigação) resulta da incapacidade em definir bons métodos de financiamento que tenham em vista o retorno económico das actividades científicas, e/ou uma racionalização das mesmas (no caso maioritário de retorno económico indefinido ou de longo prazo).
Naturalmente o financiamento público terá sempre de assegurar a sobrevivência de áreas de investigação chave, principalmente nos ramos teóricos fundamentais cuja ligação a aplicações industriais é mais remota. Mas o que se faz actualmente é financiar pelo bolso público toda a investigação sem critério e sem rumo. O dinheiro não chega para tudo, muito menos para termos investigadores profissionais a estudarem o sexo das mariposas (sic).
Sou completamente contra a criação de contratos de emprego para investigadores nestas condições. É necessário pensar na ciência que se faz e como financiá-la. A politica actual da ABIC é ignorar completamente a dimensão cientifica do problema e fazer o mesmo que os partidos da oposição (em particular os de esquerda, lamento mas a comparação é espontânea) -- i.e. atirar contra o Governo, o eterno bode espiatório, o bicho papão (é naïve, é básico e pouco inteligente). Os maiores responsáveis somos nós, os cientistas, que não nos juntamos para pensar no que fazemos e se o que fazemos é economicamente sustentável!!
Cumprimentos,
Mario Amaral
Caros colegas,
Gostava de expressar a minha opinião sobre esta iniciativa. Julgo que dada a minha experiência como bolseiro de investigação científica e agora como bolseiro de gestão científica, posso contribuir para esta discussão.
Lamento ir contra a corrente geral da ABIC, mas julgo que se está a cometer um erro grave. Não é possível encarar a actividade de investigação científica do mesmo modo que se encaram outras actividades económicas por uma simples razão: a actividade científica não é uma actividade económica - não gera riqueza, o que faz é gerar conhecimento e permitir, eventualmente, aplicações industriais. O aproveitamento dessas aplicações industriais (geralmente por engenheiros, ou "cientistas aplicados") é que gera dinheiro e isso sim pode ser encarado como uma actividade económica (estou a pensar, por exemplo, nos spin-offs universitários e na contratação de peritos pela industria)
Portanto ao falar-se em "trabalho científico" transmite-se a mensagem implicita de que a actividade científica é um actividade económica e que deve ser tratada como tal. Isto é um erro.
O problema do financiamento das actividades científicas é um problema internacional, não afecta só Portugal, afecta toda a Europa e outros países. E é um problema muito grave, que nos devia preocupar a serio (a mim preocupa). Como financiar uma actividade que não é económica, que não gera riqueza, mas que ao mesmo tempo serve de alicerce para algumas actividades económicas? A solução mais óbvia (mas extremamente difícil de implementar) consiste em atrair o investimento do sector privado (a tal meta dos 2/3 de investimento privado é ridiculamente ambiciosa, mas revela o sobre-investimento do sector publico).
Há 50 anos este problema não se colocava porque os avanços científicos tinham uma correlação tecnológica forte, que foi diminuindo ao longo das décadas (saliento os exemplos que me são mais familiares da física nuclear e física do estado sólido), e haviam muito menos investigadores e bolseiros.
Criar contratos de emprego nesta situação de insustentabilidade económica é ingénuo (pior, isso pode ser o colapso completo do sistema de financiamento da investigação cientifica). O que falta em Portugal, mas existe na Europa (Programas Quadro http://cordis.europa.eu/en/home.html), é um plano de investigação nacional com metas bem definidas e financiamentos bem investidos. Isto é apenas um pequeno gesto no sentido de resolver o problema, que como digo é mais complexo do que alguns parecem entender. Em Portugal ninguem sabe o que deve ser investigado a uma escala nacional e não se sabe como envolver as empresas nos projectos de investigação. Pelo que, a menos que se descubram modos de aliciar o investimento privado e/ou de racionalizar as estruturas e os projectos de investigação, é ridículo fazer exigências como essa de querer converter bolsas em contratos de emprego. Ridículo, ingénuo e irresponsável. Teríamos investigadores profissionais a trabalharem não se sabe em quê, com o Estado a financiá-los cegamente (estou a pensar no peer review da FCT, sim!). É isso que queremos? Eu gostava muito de ter carreira de investigador, mas para investigar o QUÊ? Quem me vai pagar? O Estado que ameaça não ter dinheiro para sustentar o sistema de segurança social?
O facto de termos bolseiros a executar tarefas de investigação permanentes (e outras actividades não-científicas relacionadas com as instituições de investigação) resulta da incapacidade em definir bons métodos de financiamento que tenham em vista o retorno económico das actividades científicas, e/ou uma racionalização das mesmas (no caso maioritário de retorno económico indefinido ou de longo prazo).
Naturalmente o financiamento público terá sempre de assegurar a sobrevivência de áreas de investigação chave, principalmente nos ramos teóricos fundamentais cuja ligação a aplicações industriais é mais remota. Mas o que se faz actualmente é financiar pelo bolso público toda a investigação sem critério e sem rumo. O dinheiro não chega para tudo, muito menos para termos investigadores profissionais a estudarem o sexo das mariposas (sic).
Sou completamente contra a criação de contratos de emprego para investigadores nestas condições. É necessário pensar na ciência que se faz e como financiá-la. A politica actual da ABIC é ignorar completamente a dimensão cientifica do problema e fazer o mesmo que os partidos da oposição (em particular os de esquerda, lamento mas a comparação é espontânea) -- i.e. atirar contra o Governo, o eterno bode espiatório, o bicho papão (é naïve, é básico e pouco inteligente). Os maiores responsáveis somos nós, os cientistas, que não nos juntamos para pensar no que fazemos e se o que fazemos é economicamente sustentável!!
Cumprimentos,
Mario Amaral